Neemias Queta conquista imprensa nacional dos EUA
De Ben Taylor a Michael Pina, passando por Louisa Thomas no The New Yorker: poste português rompe a bolha de Boston.
O reconhecimento de Zach Lowe em novembro foi o ponto de partida. Mas é em dezembro, com Ben Taylor, Cody Houdek, Michael Pina e até Louisa Thomas no The New Yorker a dedicarem análises aprofundadas ao poste português, que a narrativa muda de escala. Neemias Queta deixou de ser conversa restrita aos beat writers de Boston para entrar no debate da imprensa nacional que define reputações na NBA.
A diferença é substantiva. Taylor e Houdek dissecam o seu papel no podcast Thinking Basketball como quem explica um mecanismo tático. Pina, no podcast Off the Pike do The Ringer, coloca-o na conversa para Most Improved Player. Louisa Thomas reserva-lhe espaço numa peça cultural sobre os Celtics pós-Jayson Tatum. E as análises de filme de Charlie Cummings e Azad Rosay, no Celtics Blog, fornecem os dados que sustentam o argumento: Neemias não é apenas eficiente. É estrutural.
Thinking Basketball: o poste que organiza sem tocar na bola
Ben Taylor enquadrou o fenómeno com precisão cirúrgica no mais recente episódio do podcast Thinking Basketball:
“O Neemias é a parte fascinante para mim, porque continua nos 24 a 25 minutos por jogo. Não é pouco, mas também não entra naquela zona dos 30 e tal minutos em que dizes ‘esta é uma peça absolutamente central da nossa equipa’.”
A observação seguinte vai ao centro do impacto ofensivo:
“Há ali um bocadinho de Bam Adebayo no sentido em que, no ataque, quando Neemias está em campo, ele é o centro de muita coisa sem estar sempre a tocar na bola.”
A peculiaridade tática é evidente. Nos minutos sem Queta, os Celtics jogam small ball por necessidade, não por escolha. Taylor detalhou:
“Nos 24 minutos em que o Neemias está no banco, é literalmente ‘que outro resolva isto’. O Jaylen Brown defende o poste, o Hugo González defende o poste, o Jordan Walsh defende o poste, o Josh Minott defende o poste. São só wings, não há outro poste a jogar.”
O paralelo com os Indiana Pacers dos playoffs de 2024 surgiu naturalmente. Taylor vê semelhanças na forma como Myles Turner operava no cotovelo da área restritiva, abrindo bloqueios fora da bola, preparando Spain pick-and-rolls, criando para os bases. É uma comparação que eleva Queta de “solução de recurso” para “peça de sistema”.
Cody Houdek, co-apresentador do podcast, enquadrou o português numa discussão teórica sobre eficiência marginal no basquetebol moderno:
“Os melhores jogadores da liga fazem com que os colegas tenham lançamentos mais fáceis, à maior percentagem possível. Com o lançamento exterior, vimos como o impacto de um Steph Curry abre layups e afundanços, mas chega um ponto em que o efeito marginal de mais um excelente atirador começa a diminuir.”
A solução passa por castigar o espaço criado no pintado. Houdek explicou:
“Quando não há ajuda extra porque os defesas andam a voar atrás dos atiradores, ele limita-se a rolar, meter a cabeça ao nível do aro e tentar arrancá-lo dali como se fosse o Shaq dos anos 90. Não quero dizer que é um Tyson Chandler versão Dallas Mavericks, mas ele ocupa esse tipo de papel: vou ser o rim runner, esse é o meu trabalho, e vou assumir esse papel com toda a agressividade.”
Ben Taylor definiu o impacto de Queta numa frase:
“Em resumo, ele não está a tirar nada aos colegas. Está só a ocupar um espaço extra que a equipa precisava.”
Michael Pina: candidato a Most Improved Player
No podcast Off the Pike, do The Ringer, Michael Pina foi ainda mais assertivo:
“Ele é uma das maiores revelações de toda a liga, sinceramente. É um candidato a Most Improved Player. Ninguém está a falar disso, por alguma razão, mas ele é claramente candidato e merece estar nessa conversa.”
Pina admitiu ter sido pessimista quanto aos Celtics precisamente devido à rotação de frontcourt. A surpresa veio da versatilidade ofensiva:
“Eu sabia que ele conseguia correr para o cesto, que era bastante atlético e que tinha mãos aceitáveis. O que não esperava era o toque perto do cesto. Ele finaliza no meio do trânsito. Não é um jogador que esteja sempre a ser alimentado de bandeja. Nem tudo é um alley-oop para afundar ou um passe para uma finalização fácil sem contestação. Ele é mesmo capaz de meter a bola no cesto.”
O net rating continua a ser o argumento decisivo:
“O que mais me impressiona é o quão bons eles são com ele em campo, com um net rating de +15 ou algo desse género. Isso é o que mais importa.”
Louisa Thomas e The New Yorker: validação cultural
A entrada de Neemias no léxico do The New Yorker representa um patamar diferente de reconhecimento. Louisa Thomas, numa peça sobre a resiliência dos Celtics, escreveu:
“Queta, um poste de 2,13 metros de Portugal que tinha sido membro dos Celtics durante alguns anos relativamente apagados, está a afetar o jogo de forma tão profunda que os Celtics têm uma das melhores defesas da liga quando ele está em campo e uma das piores quando se senta.”
Não é análise técnica. É narrativa cultural. O The New Yorker não perde tempo com “mais um poste suplente”. Quando reserva espaço editorial para um jogador, é porque esse jogador alterou a identidade de uma equipa de forma mensurável e interessante para um público generalista.
O que diz o filme: defesa de elite e transformação ofensiva
Charlie Cummings, no Celtics Blog, forneceu os números defensivos que sustentam a conversa nacional. Queta contesta 9.0 lançamentos de dois pontos por jogo e permite apenas 47% de conversão. A lista de jogadores que igualam ou superam essas marcas com o mesmo volume é exclusiva: Zach Edey, Isaiah Hartenstein, Victor Wembanyama, Rudy Gobert e Kristaps Porziņģis.
O diferencial defensivo continua a ser o mais impressionante da NBA: 106.9 pontos sofridos por 100 posses com Queta em campo, 126.2 sem ele. Um fosso de +19.3 que só Zach Edey, com metade dos minutos, supera.
Cummings destacou a evolução técnica em drop coverage, o trabalho de pés que permite mostrar-se mais alto no bloqueio e recuperar para contestar no aro, e a capacidade de rodar e destruir ações longe da bola.
Azad Rosay focou-se na transformação ofensiva, noutro artigo no Celtics Blog. Sem Porziņģis e Tatum, os Celtics perderam as suas principais armas de post-up. A resposta foi substituir essas ações pelo jogo de handoffs de Queta:
“Esta época, Derrick White e Payton Pritchard duplicaram o volume de lançamentos provenientes de handoffs, e vemos uma tendência similar em Jaylen Brown. A ligação entre Queta e White nestas posses tem sido um prazer de assistir.”
Os números de pick-and-roll ilustram a mudança: Brown passou de 3.9 para 6.0 tentativas por jogo nessas ações, White de 3.5 para 5.8, Pritchard de 2.1 para 3.7. Na maioria das vezes, o bloqueador é Queta.
Rosay identificou ainda a revolução nos ressaltos ofensivos e na eficiência de putbacks. Boston subiu do 18.º para o 7.º lugar em volume de ressaltos ofensivos e, mais decisivo, saltou de 1.01 pontos por posse em putbacks (27.º da liga) para 1.28 (3.º lugar).
Consciência do peso histórico
O próprio Neemias não ignora a responsabilidade da posição que ocupa. Em declarações após o treino deste domingo no Auerbach Center, o internacional português de 26 anos mostrou estar consciente do peso simbólico do momento:
“Não há um momento em que não pense nisso. Estou sempre grato pela oportunidade. Não é uma franchise qualquer. São os Boston Celtics. O maior franchise da NBA. O que mais ganhou.”
A lista de postes titulares dos Celtics atravessa a história da liga: Bill Russell, Robert Parish, Dave Cowens, Kevin Garnett, Ed Macauley. Neemias conhece a herança e conhece a armadilha: viver dela. Prefere responder com rotina e exigência diária:
“No fim do dia sou o poste titular dos Celtics. É um grande benefício, um grande privilégio, mas ainda assim tenho de jogar basquetebol e cumprir em campo. Esse é o foco principal.”
Há espaço para evolução e o jogador não foge às fragilidades. O lance livre tornou-se um ponto de preocupação legítimo: 61.2% de conversão em 49 tentativas esta época, uma descida acentuada face aos 71.3% de carreira. A autocrítica foi imediata:
“Posso melhorar. Tem sido um ano difícil na linha. Normalmente sinto-me bastante confiante quando estou lá. Não sei o que se passa. Talvez seja repetição ou meter as pernas debaixo do lançamento. Mas é algo em que preciso melhorar, sem dúvida, porque isso é inaceitável. Sou demasiado bom atirador para lançar tão mal.”
O crescimento desde Sacramento, passando pela G League e pelos anos na sombra em Boston, moldou uma mentalidade que não vacilou quando os minutos não apareciam. Quando questionado sobre como manteve a consistência durante anos de espera, não hesitou:
“Estive numa posição em que não estava realmente a ter minutos, ou tinha bons jogadores à minha frente, mas sempre me senti confiante nas minhas capacidades. Sempre consegui trabalhar todos os dias com a mesma mentalidade, a tentar melhorar e à espera de uma oportunidade. Acho que encontrei uma casa aqui. Encontrei uma oportunidade aqui e estou simplesmente a aproveitá-la.”
E o que o motiva agora, depois de ter chegado à titularidade e ao reconhecimento nacional?
“Melhorei tanto desde que cheguei à NBA. Isso é óbvio e não o tomo como garantido. Mas também vejo o quanto melhor posso ficar e é isso que ainda me motiva. Quero continuar a melhorar para poder ajudar a nossa equipa a ganhar.”
Com 15 vitórias e 10 derrotas, os Celtics ocupam o terceiro lugar no Este. Longe das previsões pessimistas do verão, quando a saída de Porziņģis, Al Horford e Luke Kornet parecia condenar a equipa a um gap year. A diferença tem nome português. E agora, de Ben Taylor a Michael Pina e Louisa Thomas, toda a gente está a reparar.





