🏀 Afonso Tavares: a joia da coroa do BCR português
Atleta de 18 anos do GDD Alcoitão é apontado como talento geracional e prepara-se para dar o salto, depois de um percurso formativo pensado ao detalhe.
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Portugal viveu, no final de julho, um momento histórico no Basquetebol em Cadeira de Rodas (BCR). Em Istambul, a Seleção Nacional Sub23 conquistou a medalha de prata nos Jogos Paralímpicos Europeus da Juventude, melhorando o bronze obtido em 2022 e superando potências como os Países Baixos, que apresentam um dos programas mais estruturados e consistentes do continente.
No centro deste feito esteve Afonso Tavares, atleta de 18 anos do GDD Alcoitão. No regresso a casa, trouxe ao pescoço a prata coletiva e, no currículo, um conjunto impressionante de distinções individuais: eleito MVP da competição, presença no cinco ideal e líder nos três principais rankings estatísticos: pontos (19.8), ressaltos (10.4) e assistências (6.0). É uma marca inédita para um jogador português nestes palcos e a confirmação de que estamos perante um talento raro.
“Mais gratificante do que em 2022”
Ainda a digerir a dimensão do momento, Afonso falou ao Borracha Laranja com a serenidade de quem sabe que está a viver um ponto alto da carreira, mas também com a consciência de que nada disto aconteceu por acaso.
“Nestes jogos houve um sentimento mais gratificante em comparação com 2022, apesar de também termos alcançado o pódio nessa altura (3.º lugar). Sinto que este ano foi mais impactante para mim, tendo em conta que desempenhei um papel de maior importância: tive que aparecer, gerar jogo e muitas vezes resolver, coisa que em 2022 era impensável, porque não estava tão desenvolvido como estou agora. E foi mais gratificante porque este grupo foi muito unido.”
O jovem internacional admite que os prémios individuais não estavam no horizonte quando a competição começou, mas reconhece que se tornaram uma fonte extra de orgulho.
“Fui para estes jogos sem pensar no cinco ideal ou mesmo ser MVP. É algo que me orgulho de ter conquistado, até porque reflete todo o trabalho que tenho tido ao longo destes anos em que pratico esta modalidade.”
Com apenas 18 anos, Afonso já tem bem definido o próximo patamar que quer alcançar.
“Neste momento, o meu maior objetivo no BCR é afirmar-me cada vez mais como jogador da Seleção A. Qualquer jogador jovem sonha representar Portugal nos maiores palcos. E, sem dúvida, há um sonho mais ambicioso que é chegar à Divisão A para, aí sim, jogar contra as melhores equipas e os melhores jogadores. É complicado, mas não é impossível. Estamos a trabalhar nisso e, a médio/longo prazo, vamos lá chegar.”
“Um jogador geracional”
As palavras de Pedro Bártolo, um dos capitães da Seleção Nacional sénior e atleta do FC Porto, ajudam a perceber porque é que a prata em Istambul teve tanto eco no BCR nacional. Um dos jogadores mais experientes e respeitados do país não poupa nos elogios, colocando Afonso Tavares num patamar muito restrito.
“O Afonso é a joia da coroa do GDD Alcoitão e da Seleção Nacional. Acho que é um jogador geracional, não me lembro de ver alguém com tanto potencial nos últimos 10 ou 15 anos. É incrível. Foi decisivo na campanha do Alcoitão, agora MVP dos Jogos Paralímpicos da Juventude, melhor marcador, melhor ressaltador, melhor assistente — é extraordinário. Há pouco mais a dizer.”
Formação: um plano paciente e sustentado
Para compreender como se constrói um jogador que domina desta forma uma competição internacional, é preciso recuar até aos primeiros treinos de Afonso no GDD Alcoitão. O treinador Fernando Lemos, homem que já tinha deixado a sua marca na formação de alguns dos maiores talentos do basquetebol português a pé — entre eles Rúben Prey, internacional luso que atua na universidade de St. John’s —, recorda o momento em que percebeu que estava perante alguém muito especial.
“Em termos potenciais, é um jogador completamente singular. Não há paralelo, do ponto de vista técnico ou físico, ao que já consegue fazer com 18 anos e apenas quatro de basquetebol. Vai ter um impacto tremendo nos próximos anos. Porquê? Primeiro, pelo talento. Depois, pelo amor ao basquetebol e pela dedicação. É um miúdo com muito querer, muito humilde, que ouve e vai bebendo tudo o que lhe dizem, filtrando e evoluindo com isso. E é ambicioso.”
Lemos garante que nunca teve pressa em acelerar processos. A formação foi feita passo a passo, com muita repetição e foco nos fundamentos.
“Quando começou a jogar basquetebol, tinha 13 ou 14 anos. Nos primeiros dois anos trabalhou quase só fundamentos — muito trabalho individual e isolado: lançamento parado contra a parede, exercícios de técnica individual, uso de bola de tamanho 6 [n.d.r.: em séniores, utiliza-se bola de tamanho 7] para não criar defeitos no lançamento. Só mais tarde começou a integrar exercícios coletivos, dois contra dois, a perceber como se faz e desfaz um bloqueio. Não houve saltos: o crescimento foi sustentável.”
A posição em que jogava também fez parte de um plano mais amplo.
“A forma de ele poder jogar e ter algum sucesso no início era como interior, porque a equipa não tinha outras soluções. Mas sempre soube que não era aí que queria que jogasse no futuro. Treinámos desde cedo para que fosse exterior, um gerador de jogo — função que exige um domínio muito maior da cadeira e da bola. Hoje pode jogar dentro e fora, o que lhe dá versatilidade.”
A relação próxima entre os dois — vivem perto e partilham muitas viagens para treinos e jogos — criou um espaço privilegiado para conversar sobre objetivos e corrigir detalhes.
“Dava-lhe boleia todos os dias, e havia tempo para falar. Depois teve a sorte da equipa ser um grupo muito bom. Nunca o trataram como ‘puto’.
Ano para assumir maior protagonismo
O treinador não esconde que 2025/26 será um momento-chave na carreira de Afonso.
“Este é o ano de ele assumir outro papel. Na última época já entrou no cinco inicial, mas agora tem de se afirmar como uma das figuras do campeonato. Não apenas ser importante, mas ser decisivo. Ele gosta de desafios e, se ‘cair’, estaremos lá para o agarrar.”
Fernando Lemos também sabe que a gestão da carreira não se esgota no rendimento desportivo. O plano envolve uma transição controlada para o estrangeiro, conciliando alto rendimento com estudos universitários.
“Tem propostas para ir jogar para fora, mas queremos que faça mais um ano cá, que entre na faculdade e que, depois, se for para sair, vá com um projeto desportivo e académico sólido. Se for para sair, que seja para um sítio onde possa jogar ao mais alto nível e, ao mesmo tempo, continuar a estudar.”
Com uma medalha histórica e o reconhecimento de colegas e treinadores, Afonso Tavares é um talento moldado ao detalhe, por quem já ajudou a lançar figuras maiores do basquetebol nacional, e que pode redefinir o lugar de Portugal no cenário europeu de BCR.