Tudo sobre o Media Day dos Boston Celtics, pela lente de Neemias Queta
No encontro com jornalistas que antecede o training camp, pediu-se defesa, energia e polivalência aos homens da rotação interior. Português ouviu palavras de confiança de Joe Mazzulla e Brad Stevens.
O Media Day dos Boston Celtics trouxe confirmações, deixou perguntas em aberto e, sobretudo, colocou Neemias Queta no centro da nova fase competitiva em Boston. Sem Kristaps Porziņģis, Al Horford e Luke Kornet, a rotação interior abriu-se e, com ela, a possibilidade real de o poste português ganhar espaço e influência.
Numa equipa que perdeu as três referências no pintado, a mensagem que saiu do encontro com a imprensa é clara: há minutos para conquistar e margem para perfis complementares. É nesse espaço que o gigante do Vale da Amoreira se posiciona — com mais voz no balneário e maior responsabilidade em campo —, depois de um verão que lhe trouxe confiança competitiva com a Seleção Nacional no EuroBasket.
Joe Mazzulla e Brad Stevens alinham no essencial: padrão elevado na defesa e nos ressaltos, polivalência funcional e decisões tomadas no training camp. O arranque da época 2025-26 faz-se com menos certezas e mais oportunidade; para Neemias, a palavra-chave mantém-se: versatilidade.
Um balneário diferente pede novas vozes
Sem Porziņģis, Horford, Kornet e também Jrue Holiday, o peso da liderança passa para quem fica. Neemias não fugiu ao tema, assumindo que o franchise precisa de uma solução “por comité”.
“É uma equipa diferente. Perdemos muitas das vozes principais do balneário, muito da nossa liderança veterana. Mas faz parte do nosso crescimento. Nós, os mais jovens, também temos de encontrar a nossa voz, ser mais vocais. Vai ser por comité: todos temos de melhorar um pouco mais, contribuir um pouco mais com a nossa voz. Cada um dá mais 5% e seguimos daí.”
“Estando aqui há dois anos, aprende-se muito sobre aquilo que queremos fazer. Seja vocabulário, seja a experiência de estar em campo com os que cá estão há mais tempo e sabem onde queremos chegar. Portanto, é falar mais, encontrar a minha voz. Isso será fundamental para o meu desenvolvimento.”
A confiança do EuroBasket como combustível
A campanha pela Seleção, com presença histórica nos oitavos-de-final, surge como referência emocional, e Neemias quer replicar o contexto e o mindset.
“Foi um verão divertido. Foi bom voltar a jogar com aqueles rapazes. Joguei com ou contra a maioria deles enquanto crescia. Foi uma boa experiência representar o país. Ajudámos Portugal a chegar pela primeira vez aos oitavos-de-final. Isso significa muito porque Portugal não é conhecido pelo basquetebol, é um país de futebol. E é bom ver que estamos finalmente a crescer. Estamos só a tocar na superfície do que podemos ser. Queremos usar esta experiência como fundação para continuar a subir de nível e mostrar à próxima geração de miúdos que é possível.”
“Jogar lá fora ajuda a ganhar confiança. Jogar contra diferentes tipos de jogadores, com regras diferentes. Pude trabalhar outras coisas só me vão tornar mais versátil e mais fiável aqui. Fui muito responsabilizado lá – marcar pontos, ter a bola, envolver colegas. Tudo isso só me vai tornar mais completo.”
Horford e Porziņģis como escola
No plano técnico, Neemias apontou ao que aprendeu com Al Horford e Kristaps Porziņģis. O objetivo: ser o big que oferece ao jogo aquilo que este pede.
“Eram jogadores muito bons a serem versáteis. O que fosse preciso em cada jogo, eles encontravam uma forma. Ressaltos, pontos, desarmes de lançamento, defesa. Esse é um dos pontos-chave que quero garantir este ano: ser versátil. Fazer o que for preciso para ajudar a equipa a vencer, porque foi isso que eles fizeram e funcionou. Quero fazer o mesmo: ser eu próprio e ajudar a equipa a ganhar no que for preciso.”
“O Al esteve aqui tanto tempo e já esteve tantos anos na liga… não há muitas coisas que ele ainda não tenha visto. Ter esse cérebro para poder fazer perguntas sobre coisas em que podia aprender, foi muito importante. Ele foi um poste que aprendeu a defender a alto nível. Esse foi o ponto principal: perceber como ser uma presença defensiva sustentável. Fiz-lhe muitas perguntas e ele ajudou-me bastante.”
Profissionalismo: estar pronto, sempre
A gestão de minutos oscilantes em 2024-25 transformou-se em método e rotina.
“É algo a que tens de te habituar. Às vezes chamam o teu nome para ajudar a equipa a ganhar, outras vezes é a vez de outro. O mais importante para mim foi aprender a ter impacto, independentemente do tempo que fiquei sem jogar. Entrar e impactar um jogo específico, quer tivesse jogado sete ou oito seguidos, quer tivesse ficado seis de fora. O segredo é levar isto dia a dia. Se não estou a jogar, trabalho no ginásio, continuo a evoluir, para estar pronto quando chamarem o meu nome. Não dá para saltar etapas nesta liga, porque mais cedo ou mais tarde isso nota-se.”
E é daqui que nasce uma ambição pragmática para 2025-26.
“Tenho vindo a crescer de forma consistente. Todos os anos as expectativas sobem um pouco e sinto que faço um bom trabalho em corresponder. Nalguns casos até posso dizer que excedi as expectativas. Este ano quero continuar com o mesmo tipo de crescimento, ser melhor jogador, ajudar os meus colegas, ser versátil. Sinto que mostrei isso este verão. Vou jogar mais do que nunca e vai ser um ano duro, mas estou muito entusiasmado porque é para isto que trabalhei a vida toda.”
“Seja o que for que o jogo pedir, quero ajudar a equipa a ganhar. A nossa equipa é tão profunda e versátil – já temos quem marque de três, quem marque pontos, quem ganhe ressaltos. Se eu puder fazer o resto e tapar buracos, ser uma espécie de canivete suíço, esse é o meu foco principal. Nunca sabes o que cada jogo vai pedir, por isso a mentalidade tem de ser essa.”
Joe Mazzulla: “Repetições sob pressão”
O treinador Joe Mazzulla reconheceu na campanha pela Seleção Nacional pontos de contacto com a exigência em Boston: intensidade física e significado competitivo. A passagem à NBA far-se-á pelo hábito.
“Acho que (o EuroBasket) é um jogo físico. A fisicalidade, o talento — o grupo de Portugal tinha muito talento. E depois a paixão com que representas o teu país é muito semelhante a jogar pelos Celtics. Vamos tentar aproveitar essas coisas. Mas é sobretudo uma questão de repetições. Repetições sob pressão. Fazer isso noite sim, noite sim. Ele já mostrou que consegue fazê-lo e agora temos confiança de que o pode fazer todas as noites. É apenas continuar a repetir os detalhes, vezes sem conta.”
Quanto à rotação interior, o padrão não é negociável.
“No ano passado entrámos na época e, se estivéssemos totalmente saudáveis, o Al provavelmente vinha do banco; se não, o Al começava ao lado do KP. Nunca se sabia. Este ano vai ser igual: não sabemos exatamente o que vai acontecer com o frontcourt. Isso vai ser conquistado pelos jogadores. Vamos esperar para ver. Mas o que eu sei é que vamos defender, vamos ganhar ressaltos e vamos jogar juntos.”
Brad Stevens: “Oportunidade merecida”
Brad Stevens, presidente de operações para o basquetebol, explicou a confiança no perfil de Neemias e, sem promessas no papel, sublinhou o mérito do trabalho feito.
“O Neemy ainda é jovem no seu desenvolvimento, jovem na sua carreira em muitos aspetos, mas está num lugar diferente daquele em que estava quando entrou na liga com um contrato two-way. E provavelmente está num lugar diferente daquele em que estava quando saiu de Sacramento alguns anos depois. Nós — e isto é um bom exemplo — ficámos mesmo entusiasmados quando ele ficou disponível, porque já tínhamos passado imenso tempo a falar sobre ele, precisamente porque nos parecia um jogador que podias colocar facilmente num grupo e iria jogar duro. Um jogador que vai fazer o que lhe pedires e vai dar tudo o que tem para tornar a equipa melhor. E acho que ele melhorou o seu jogo. Portanto, vamos ver como é que isso se traduz. Eu não sei como é que o frontcourt se vai definir agora. Não o consigo prever. Mas ele certamente deu grandes passos desde que está aqui, merece uma oportunidade e cabe-lhe a ele aproveitá-la.”
A estratégia financeira também molda a rotação: contratações low cost que virem contribuição.
“Os contratos elevados têm de ser jogadores realmente bons. Temos sorte aqui em Boston, porque são. Uma das coisas que toda a gente na liga tenta fazer é encontrar aqueles jogadores com contratos mais baixos ou a entrar na liga ou, por qualquer razão, na sua segunda ou terceira oportunidade, que possam ter contratos mais favoráveis à equipa. O Sam (Hauser) é obviamente um ótimo exemplo disso. Acho que o Neemy e o Luke (Kornet) foram ótimos exemplos disso. Alguns desses jogadores têm de se tornar jogadores de rotação.”
Stevens reforçou ainda, na sessão com os jornalistas, a ausência de um teto para a equipa.
“Não vamos colocar qualquer teto neste grupo. Temos caras novas, temos jogadores que vão ser chamados a fazer mais, e o Neemias ganhou o direito a esta oportunidade. A mobilidade e capacidade de trocar defensivamente do Xavier (Tillman) o tamanho e a técnica do Luka (Garza), a experiência do Chris (Boucher) – vamos ver como tudo encaixa. Queremos versatilidade, abrir o campo e defender de várias formas. Isso vai ser decidido nos treinos e ao longo da época.”
Concorrência direta: perfis complementares à volta de Neemias
Para além do internacional português, Chris Boucher, Luka Garza e Xavier Tillman chegaram ao Media Day com mensagens alinhadas ao que Mazzulla e Stevens exigem: defesa, energia e execução.
Chris Boucher sublinhou a sua forma de mexer no jogo, com hustle e spacing.
“Em todo o lado onde estive tive de trazer energia, defesa, centímetros. É isso que trago para aqui. Posso bloquear lançamentos, abrir o campo, correr. As pessoas falam dos meus triplos, mas tudo começa pela defesa e pelo esforço. Só quero ajudar a equipa no papel que tiver. Aprendi com jogadores como Kevin Garnett e Draymond Green, e sei como é importante estar pronto quando chamam o teu nome.”
Luka Garza quer competir diariamente e provar valor ofensivo como stretch-big.
“Sei que nada me vai ser oferecido. Já estive nessa posição antes e todos os anos tive de provar que pertenço. Aqui será igual. Temos muitos postes talentosos e quero mostrar que o meu jogo pode ajudar a equipa. É estar preparado, competir todos os dias e ganhar os minutos.”
Depois de perder mais de 5 quilos no verão, Xavier Tillman mostrou-se preparado para lutar por um lugar na rotação.
“Estou confortável com quem sou como jogador – capacidade de defender várias posições, ser físico, ganhar ressaltos. Trabalhei o lançamento, trabalhei para ficar mais rápido, mas a minha base vai ser sempre a defesa e a dureza. Seja quais forem os minutos que tiver, é isso que vou trazer. Sei que temos muitos jogadores a competir por minutos, e isso só nos vai tornar melhores.”
Para os Boston Celtics, o critério no frontcourt está definido: defender, dominar o ressalto e executar de forma simples. Neemias Queta parte com crédito interno e a confiança pública de Joe Mazzulla e Brad Stevens. A luta por um lugar no cinco inicial começa já esta terça-feira, com o arranque do training camp no Auerbach Center.