Renovação em marcha
Sara Barata Guerreiro, Inês Ramos e Carolina Cruz começam a ganhar espaço num grupo liderado pelas veteranas Sofia da Silva, Márcia Costa e Maria João Bettencourt.
Portugal fechou a janela de novembro da primeira fase de qualificação para o EuroBasket 2027 com uma derrota na Sérvia (51-77) e uma vitória sobre a Islândia (100-70), no Barreiro. No plano imediato, o objetivo mantém-se intacto; a médio prazo, ficou à vista o início de uma renovação há muito anunciada, feita sem abdicar do núcleo veterano que liderou o apuramento inédito para o EuroBasket de 2025.
O selecionador Ricardo Vasconcelos trabalha há vários anos com uma base de jogadoras estável. O anúncio da retirada da base Inês Viana, após o EuroBasket, reforçou a ideia de que o ciclo competitivo deste grupo entrou noutra fase. Em vez de uma rutura, a opção tem sido integrar gradualmente novas peças em contexto de apuramento.
Lavínia da Silva, 37 anos, e o trio composto por Márcia Costa, Sofia da Silva e Maria João Bettencourt, todas com 35 anos, formam o núcleo de experiência de uma equipa que começa agora a receber na rotação, de forma consistente, as primeiras atletas nascidas nos anos 2000.
Em declarações ao Borracha Laranja, Ricardo Vasconcelos voltou a sublinhar essa ideia de continuidade em renovação:
“Há muito tempo que tento transmitir que a Seleção é um organismo vivo e aberto, e é vivo porque tem de ter várias idades em cada posto. Lançar gente que aceita a oportunidade, que traz humildade e capacidade de entrosar, e perceber que a afirmação na Seleção Nacional é um processo, é uma delícia.”
Nesta janela, três jogadoras assumiram um papel mais visível: a extremo Sara Barata Guerreiro (Marburg, Alemanha), a base Inês Ramos (Al-Qázeres, Espanha) e a poste Carolina Cruz (Livorno, Itália), que já tinha feito parte das 12 que escreveram história no EuroBasket. Uma por cada posição, todas nascidas em 2001, todas com minutos relevantes em jogos de qualificação.
O jogo em Belgrado confirmou a dificuldade do grupo. Portugal, no único agrupamento com três seleções, ainda conseguiu reduzir a desvantagem para três pontos no segundo período, apoiado num bom momento de lançamento exterior da base Carolina Rodrigues, mas acabou por ceder face à superioridade física e à experiência sérvia. No Barreiro, frente à Islândia, a resposta uma vitória por 100-70, com 16/37 de três pontos (43.2%). Todas as jogadoras utilizadas marcaram pontos.
No final, Ricardo Vasconcelos sublinhou o peso do resultado, mas procurou travar leituras eufóricas.
“Demos um grande passo (rumo ao apuramento). Temos um pé do outro lado, porque passam duas equipas e o jogo da Islândia tem de ser muito mau para nós para perdermos por 30 pontos e perdermos esta vantagem. Temos de ser conscientes que conseguimos esta vantagem porque fizemos 43% de três pontos, que é uma ótima percentagem e que não conseguimos todos os dias.”
A ideia de identidade defensiva continua a ser o eixo do discurso.
“Nós temos um ADN defensivo que não podemos negociar. Obrigámos a equipa da Islândia a fazer 20 turnovers e nós precisamos disso, precisamos de pô-las em desconforto, de jogar fora daquilo que é o jogo delas. Isso não é negociável.”
O contexto serve para enquadrar o espaço que se abriu à colheita de 2001. Para Sara Barata Guerreiro, o jogo do Barreiro foi a estreia absoluta pela Seleção principal e, em 9’09” de utilização, somou 16 pontos (2/2 2P, 4/6 3P) e um ressalto. Fê-lo num pavilhão próximo da sua terra natal, o Seixal, com família e amigos nas bancadas, como sublinhou em declarações exclusivas ao Borracha Laranja.
“Estreia perfeita? Foi mais do que eu sequer tinha sonhado. Foi incrível, ainda por cima aqui perto do Seixal. Tive muitos amigos de casa a ver. Mas não quero ficar satisfeita com este jogo. Quero estar aqui no futuro e ajudar ao máximo a Seleção. Estou muito feliz por estar aqui. Ainda não acredito que este dia aconteceu. Ainda estou a tentar processar a adrenalina, mas só foi possível porque elas me receberam muito bem e me encontraram para lançar. Só estou grata por estar aqui, por ter esta oportunidade e quero voltar no futuro.”
“Quero acreditar que pertenço aqui. Os treinos correram bem e faço tudo o que está no meu controlo para merecer este lugar. Quando entrei em campo foi: ‘you know, act like you belong’, mas sempre humilde e pronta para aprender com as mais velhas. O futuro da Seleção está em boas mãos. Se a malta vier com vontade e motivação, vai estar sempre em boas mãos. O nosso staff é incrível, motiva, ajuda, ensina. Espero que este jogo seja o primeiro de muitos.”
O reconhecimento interno apareceu de imediato. No final da partida, todo o grupo, incluindo as veteranas, formou um corredor para praxar a extremo de 23 anos e entoou cânticos de “MVP”, enquanto Sara tentava segurar a emoção. A imagem reforça a ideia central desta janela de qualificação: a nova geração está a ser integrada por quem construiu o percurso recente da Seleção.
Se a atleta do Marburg teve uma estreia de sonho, Inês Ramos reforçou o estatuto de primeira opção a sair do banco. Frente à Islândia, a base somou 3 pontos, um ressalto e 2 roubos de bola em 15’03”, mas trouxe sobretudo a ameaça de tiro exterior e a energia defensiva que encaixa no ADN que Vasconcelos reclama para esta equipa.
“Partilhar isto com as mais velhas, com todo o historial que elas têm, e poder estar aqui a viver isto com elas é mesmo muito bom. Foi muito emocionante, ainda por cima com o pavilhão cheio e com a minha família na bancada. É um orgulho enorme. Estou muito feliz aqui. (…) Está a ser um ano cheio de oportunidades e sinto que estou a aproveitar.”
Por sua vez, Carolina Cruz voltou a oferecer soluções diferentes das bigs tradicionais da Seleção. Com 1,92 metros, é uma jogadora que passa grande parte do tempo no perímetro, a espaçar o campo, o que complementa os perfis de Sofia da Silva ou Lavínia da Silva, mais orientados para o jogo interior. Frente à Islândia, fez 11 pontos em 13’59”, com 3/4 de três pontos e 2/2 da linha de lance livre, a que juntou 2 ressaltos e um roubo de bola.
“Fizemos muito scouting, entrámos com vontade e com querer, e as coisas correram-nos bem. Pressionámos muito na defesa e a partir daí o ataque fluiu. Estamos unidas, trabalhámos para isto. O facto de toda a gente contribuir deixa-nos sempre felizes. Fico muito feliz e orgulhosa pela Sara, que teve uma estreia muito boa.”
“Vir à Seleção sempre foi uma motivação e um objetivo para mim. Outro objetivo é manter, continuar, dar o meu máximo e ficar aqui. Trabalhar pelo meu país é sempre um orgulho.”
Sobre as aprendizagens com Sofia da Silva, que se atirou para o chão a lutar por uma bola a pouco mais de um minuto da buzina final e com 30 pontos de vantagem, Carolina reforçou a importância do exemplo.
“Mostra garra, vontade e o querer e, sendo capitã, a Sofia tem de ser a primeira a dar o exemplo. Foi isso que fez, seja no primeiro minuto ou no último.”
A estrutura da equipa das quinas continua assente nas jogadoras mais experientes. Contra a Islândia, Maria João Bettencourt somou 15 pontos, 6 ressaltos e 4 assistências; Márcia Costa terminou com 15 pontos, 3 ressaltos, 2 assistências e 5 roubos de bola; Sofia da Silva ficou perto do duplo-duplo, com 10 pontos e 9 ressaltos. A nova geração entra sem retirar espaço a quem consolidou o atual estatuto competitivo de Portugal.
Nesta primeira fase de qualificação, Portugal está no único grupo com três seleções e ainda vai receber a Sérvia e deslocar-se à Islândia em março de 2026. Seguem para a segunda fase os dois primeiros de cada grupo e os três melhores terceiros, com nova ronda marcada para novembro de 2026 e fevereiro de 2027.
Para já, o saldo desportivo é positivo e a vantagem de 30 pontos sobre a Islândia dá margem na corrida pelo apuramento, como sublinha Ricardo Vasconcelos.
“Estamos com um pé do outro lado, mas não está feito.”
Em paralelo, fica o registo essencial desta janela: uma base, uma extremo e uma poste nascidas no início dos anos 2000 ganharam minutos e responsabilidades em jogos oficiais, numa Seleção ancorada em jogadoras experientes. É nesse cruzamento entre quem ainda lidera e quem começa agora a entrar no grupo de trabalho que se decide se Portugal transforma uma conquista inédita num hábito em fases finais de grandes competições internacionais.





