Ainda Danny Ainge limpava o pó ao tanque escondido na garagem e já Will Hardy e os novos Jazz começavam a estragar-lhe os planos. Após um verão em que Utah iniciou uma reconstrução, trocando Rudy Gobert e Donovan Mitchell e vendo sair Quinn Snyder, as expetativas apontavam a um ataque feroz ao tanking. O que se viu nas primeiras semanas, porém, foram uns Jazz a carburar a todo o gás e a surpreender toda a gente, com vitórias sobre Nuggets, Grizzlies e Pelicans.
Mas porquê? O que leva uma equipa com tanta gente nova, incluindo staff técnico, a surpreender desta maneira? E, sobretudo, serão estes resultados sustentáveis? O que são estes Jazz e para onde caminham é o que tentamos descobrir, analisando o que já se fez.
Uma força finlandesa
O verão de Lauri Markkanen prometia mudança, com médias de 27,9 pontos e 8,1 ressaltos no EuroBasket, incluindo um jogo de 43 pontos que eliminou a Croácia nos oitavos de final. Em Utah, Markkanen só tem reforçado a tendência. Com liberdade total, lidera os Jazz em pontos, ressaltos ofensivos, contra-ataque e finalização perto e longe do cesto. Um leque completo de soluções ao dispor de Will Hardy.
No bloqueio direto, vê-se de imediato a versatilidade de Markkanen. Com bola nas mãos (sim, leram bem), tem somado pontos aos Jazz: explora mismatches, lê buracos na defesa e fabrica lançamentos, atuando como portador em pick-and-roll com um base/extremo atirador a bloquear.
Como roller no bloqueio direto, Markkanen é o 10.º da liga em pontos por posse (PPP). Com leitura apurada do espaço, recebe já depois de “vistoriar” a área e decide em função disso. A mobilidade, a explosividade a partir de um pé e a capacidade de contorção ajudam.
Reconhecido como stretch forward desde que entrou na NBA, tem apurado essa faceta. Obriga a defesa a escolher o “mal menor” e, quando o deixam com espaço, castiga. Seja a rodar para o meio, seja com bloqueio para o empty corner, lança de onde quer.
Sem bola, o espaçamento que oferece é um pesadelo. Em especial nas ações de bloqueio direto no topo, é ameaça constante no lado da ajuda e obriga o seu defensor a decidir. A facilidade com que se recoloca e a rapidez de execução impressionam: 5,7 pontos por jogo em catch-and-shoot.
A equipa de Hardy é 2.ª da NBA em PPP a partir de bloqueios indiretos e Markkanen (com Clarkson e Beasley) lidera internamente. Outra vez, a leitura dá-lhe vantagem: pode sair em curl, parar para lançar ou receber mais perto do cesto para uma finalização fácil.
Os Jazz são 3.ºs em pontos a partir de turnover e 8.ºs em PPP em transição. Markkanen lidera a equipa no primeiro item e é 2.º no segundo, atrás de Conley. Para o tamanho que tem, arranca rápido assim que a bola é recuperada e finaliza acima do aro com grande eficácia, tornando-se um dos melhores em contra-ataque.
Drive-and-kick game
Não é só Markkanen. Hardy assenta o ataque em espaçamento e penetrações constantes. Com o pessoal certo, o pintado está quase sempre aberto para entradas de Sexton, Conley, Clarkson ou Horton-Tucker, beneficiando do espaço que os “grandes” criam.
Seguindo a filosofia dos “5 abertos”, há muito espaço para pôr pressão no cesto e atacar após passe ou finta. A gravidade de quase todos os jogadores de Hardy impede ajudas profundas e abre a zona perto do cesto mais do que o normal. Os Jazz são a 4.ª equipa em penetrações por jogo e 6.ª em paint touches.
Quem costuma ajudar numa penetração vinda do topo? A última linha. Quem fica sozinho? Os atiradores dos cantos. Os Jazz são 3.ºs em pontos a partir de catch-and-shoot e 2.ºs em percentagem de pontos vindos de triplos do canto. A razão está nas penetrações e no movimento constante, de jogadores e da bola, que forçam ajudas e deixam os cantos livres. Jarred Vanderbilt e Malik Beasley são, respetivamente, 8.º e 9.º em percentagem de lançamento do canto, mas o arsenal de atiradores é amplo.
Dois ataques são melhores do que um
Com tanta gente no perímetro, esperar-se-ia poucos ressaltos ofensivos. A realidade: os Jazz são a 5.ª equipa com mais ressaltos no ataque. Metem muita gente na tabela logo após o lançamento e bloquear alguém vindo do perímetro é mais difícil do que junto ao cesto. Muitas posses acabam com três homens no ressalto e múltiplas tentativas. Isso converte-se em pontos. Vanderbilt e Markkanen dominam aqui, com 2,2 ressaltos ofensivos por jogo cada.
Criar o caos na defesa
Não é só ataque. Embora mais tímida e sujeita ao erro, a defesa dos Jazz tem picos de excelência, muito inspirada em Jarred Vanderbilt, um dos melhores defensores da liga, na bola e fora dela. Os Jazz são 3.ºs em roubos de bola e Vanderbilt, juntamente com Kelly Olynyk, é 20.º, com 1,6 por jogo. Rápidos e móveis, conseguem defender mais espaço, perturbar quem penetra ou passa, fechar bem o pintado e usar mãos ativas para recuperar a posse.
É sustentável? Provavelmente não. Os Jazz estão em reconstrução, a lógica passa por capitalizar no draft e, para isso, haverá trocas. Quase todos na rotação fazem sentido para contenders. Além disso, apesar do 9.º lugar em Defensive Rating, não há um aspeto de elite fiável e a equipa viveu do fator surpresa.
Ainda assim, mesmo que caiam, continuam obrigatórios no League Pass. Hardy montou basquetebol positivo, rápido e adaptado às virtudes do plantel. Os Utah Jazz são divertidos e vão continuar a criar problemas.