O método e a loucura dos Heat e 5 “underdogs” que chegaram ao título
Os Nuggets estão à frente nas Finais contra os Miami Heat e, em traços gerais, têm confirmado muito do que se esperava: que têm mais talento, que Jamal Murray foi criado em laboratório para pegar fogo nos playoffs e que Nikola Jokić é, muito provavelmente, o melhor jogador da NBA. Mas o título está tudo menos entregue – porque os Heat continuam a ser o osso mais duro de roer em toda a liga.
Grande parte da resiliência de Miami prende-se com algo que pode soar a “cliché”, mas é a mais pura das realidades: ninguém os iguala no que toca à entrega. Os Heat podem perder jogos, mas nunca porque desistiram ou deixaram de dar tudo. É fácil ser cínico e gozar com a atitude “pretensiosa” de venerar a chamada Heat Culture, mas ela existe. E não é apenas mentalidade. Desde que Pat Riley e Erik Spoelstra assumiram o controlo da equipa, o foco extremo no condicionamento físico tornou-se marca da casa, permitindo executar a filosofia de constante movimento que define o seu jogo.
Execução é, aliás, outro fator que tende a elevar esta versão dos Heat acima do seu suposto potencial. Spoelstra é o melhor treinador da NBA, tanto pelo desenho tático como pela forma como faz todos os jogadores cumprir o plano – da estrela ao último homem da rotação. Isso tem sido especialmente vital na defesa, onde gosta de mudar constantemente de esquema para que o adversário nunca sinta conforto. De jogada para jogada, os Nuggets podem enfrentar uma zona 2-3, marcação ao homem com switch no pick-and-roll, ausência de switch na mesma situação, ou até uma zona 1-2-2. Cada esquema tem vantagens e desvantagens, mas o que conta é a disciplina de execução e, acima de tudo, a capacidade de alternar sem aviso, retirando ao adversário qualquer hipótese de manter uma estratégia de ataque consistente.
No ataque, os Heat quebram mais, embora tenham algumas soluções para superar expectativas baixas. Bam Adebayo tem estado em evidência nestas Finais, mostrando confiança renovada no lançamento de midrange – que Denver lhe tem oferecido de bom grado. Já Jimmy Butler tem ficado aquém do nível altíssimo a que nos habituou nestes momentos, em grande parte pelo excelente trabalho de Aaron Gordon na defesa individual. Sem vantagem no duelo de estrelas, os Heat tentam recorrer à matemática: multiplicar tentativas de três pontos e dar ao máximo de role players hipóteses de lançar isolados. Depois, resta esperar que eles acertem.
E aí reside a loucura do método dos Heat: criar as condições ideais para serem bafejados pela sorte. No jogo 1, lançaram 13/39 de três (33,3%). Perderam. No jogo 2, subiram para 17/35 (48,6%). Ganharam. No jogo 3, voltaram a cair para 11/35 (31,4%) e perderam. No jogo 4, 8/25 (32,0%), nova derrota. A NBA é um quebra-cabeças complexo. Mas, às vezes, a explicação é mesmo tão simples.
Se os Heat conquistarem o anel, será a primeira vez que um 8.º classificado de conferência se sagra campeão. Vale a pena recordar alguns dos maiores underdogs que superaram todas as probabilidades para levantar o troféu:
Detroit Pistons (2003-04)
Tinham a 2.ª escolha num dos melhores drafts de sempre e desperdiçaram-na em Darko Miličić, quando podiam ter escolhido Wade, Carmelo ou Bosh. Foram buscar o polémico Rasheed Wallace. Entraram nos playoffs como uma boa equipa, mas longe de ser dominante. Na final esperavam-nos os Lakers de Shaq e Kobe. Parecia impossível. Mas a defesa de Detroit asfixiou os favoritos e venceu em cinco jogos. Só numa partida os Lakers passaram dos 90 pontos – precisamente a única que ganharam, após prolongamento.
Miami Heat (2005-06)
À chegada às Finais, os Mavericks eram claros favoritos, e essa perceção ganhou força com uma vantagem inicial de 2-0. Até aí, só duas equipas tinham recuperado de tal desvantagem. Mas os Heat tinham trunfos: Shaq determinado a provar que podia vencer sem Kobe, Pat Riley no comando… e sobretudo Dwyane Wade. Foi ele quem virou a série, atacando o cesto sem piedade, colecionando idas à linha de lance livre e liderando quatro vitórias seguidas.
Cleveland Cavaliers (2015-16)
Com Kyrie Irving e Kevin Love a acompanhar LeBron no auge, os Cavs eram fortíssimos. Mas do outro lado estavam os Warriors de 73 vitórias, recordistas absolutos da fase regular. E Golden State chegou a 3-1 na final, vantagem até então insuperável. A suspensão de Draymond Green abriu uma brecha. LeBron elevou-se a um nível mítico – “The Block” resume a história – e Cleveland fez história ao inverter o impossível.
Toronto Raptors (2018-19)
Os Warriors de Durant pareciam intocáveis após dois títulos seguidos. O three-peat era dado como certo e a dúvida era apenas até quando duraria a dinastia. Mas em 2019 os Raptors, liderados por Kawhi Leonard, escreveram uma das maiores surpresas de sempre. As lesões de Durant e Klay Thompson foram determinantes, mas não apagam a façanha: Toronto, até então irrelevante no mapa da NBA, sagrou-se campeão pela primeira vez.
Dallas Mavericks (2010-11)
Quando LeBron anunciou a ida para Miami, juntando-se a Wade e Bosh, parecia inevitável a consagração dos “super Heat”. O próprio espetáculo da “Decisão” tornou-os vilões automáticos. Mas ninguém contava com a história de redenção de Dirk Nowitzki e um elenco de role players perfeito à sua volta. A equipa de Dallas derrotou os favoritos e assinou o título mais saboroso possível para os fãs neutros.