Nos bastidores do Europeu: A espuma das noites
Uma semana depois do título europeu conquistado em Matosinhos, esta é a crónica final do que se viveu longe das luzes da ribalta. Bem sei que poderia escolher um título mais chamativo — “Memórias para a eternidade” ou “Um título para a história” soariam melhor a click bait. Mas, desde o início, sabia ao que vinha. Este não era o meu primeiro Europeu jovem em Matosinhos. Ainda assim, este teve uma marca distinta. E é por isso que preferi evocar A espuma dos dias, de Boris Vian: porque esta última crónica fala da espuma que resta da onda de emoções vivida ao longo de duas semanas e, como no livro, serve também para refletir sobre a fragilidade humana.
Não vou reconstituir a caminhada invicta de Portugal, nem o primeiro título da história do basquetebol nacional. Não vou sublinhar os dois portugueses no cinco ideal ou o MVP do torneio. Tudo isso ficou documentado. O que importa agora são as histórias escondidas nos interstícios do triunfo.
Houve a cantoria pós-vitória, em coro e sobre bicicletas estáticas. As mensagens escritas nos espelhos do balneário. As escaladas de Rafael Lisboa pelas bancadas para abraçar a família. As lágrimas do adjunto João Costeira depois da buzina final. A multidão que permanecia no CDC mais de uma hora após os jogos para pedir autógrafos, tirar fotografias ou simplesmente agradecer. Tudo isto merecia espaço. Mas não é disso que esta derradeira crónica trata.
É sobre dois homens, separados por 20 anos e unidos pelo mesmo amor ao jogo: Neemias Queta e Kauan Valente.
Na meia-final contra a Rússia, um ressalto deixou Neemias prostrado no soalho. O gigante de 2,11 metros agarrado ao joelho gelou o pavilhão. Amparado e com gelo, voltou apenas para o banco, onde celebrou como pôde. Entre abraços e sorrisos, havia também preocupação. Vi-lhe no rosto a dúvida sobre o futuro imediato, sobre o que estaria em risco depois de uma temporada em que se aproximara tanto do sonho NBA.
Na final com a República Checa, Neemias já só podia sofrer do lado de fora. Nas bancadas, sofria Kauan. Vestido a rigor, mais ansioso do que nunca. Portugal venceu, o título foi celebrado com euforia, mas as lágrimas de Kauan eram de outra natureza. Um miúdo que luta contra um cancro que o impede de jogar o desporto que ama, esmagado por uma emoção incontrolável.
Uma semana depois, são essas lágrimas — as de Neemias e, sobretudo, as de Kauan — que me ficam. A espuma das noites. Porque mais do que títulos ou subidas de divisão, o que se deseja é a vitória deles.
P.S.: Apoiem a luta do Kauan. Sigam-no no Facebook, conheçam a sua história e não deixem de ajudar.
P.P.S.: Porque é a última crónica, deixo uma homenagem à equipa que trabalhou comigo diretamente neste Europeu. O João, o André e o Guilherme facilitaram, e muito, o meu trabalho. Sem eles, não teria reparado em tantos pormenores que deram vida a estas crónicas. Ficaram de fora da foto final da organização porque estavam… a trabalhar. Fiz questão de lhes tirar uma fotografia já com o pavilhão vazio. Obrigado pela competência, dedicação e partilha. Vocês foram os meus MVPs.