Neemias Queta candidato a Most Improved Player?
Antes da época, o frontcourt de Boston era tratado como o pior da liga. Um mês depois, o poste português lidera a NBA em diferencial on/off.
Em outubro, o jornalista Law Murray, do The Athletic, olhou para as rotações da NBA posição a posição e não teve dúvidas. Nas posições de power forward e center, os Boston Celtics eram o número 30 entre 30 equipas. Chris Boucher e Josh Minott a extremo/poste, Neemias Queta e Luka Garza a poste. Nas palavras do próprio, era fácil colocar Boston e Indiana no fundo do ranking porque “não têm um titular legítimo nem suplentes aceitáveis”.
A ideia espalhou-se depressa. O the Score escreveu que “os Celtics têm o pior frontcourt da liga” depois das saídas de Kristaps Porziņģis, Al Horford e Luke Kornet, o Bleacher Report olhou para um cinco inicial com Sam Hauser e Neemias Queta e perguntou se não seria “o pior frontcourt de todo o basquetebol”. Em fóruns de adeptos, o nome do português aparecia sobretudo como prova da pobreza da rotação interior.
Um mês mais tarde, o cenário é outro. A Forbes questiona se Neemias Queta não devia estar na corrida para Most Improved Player, os modelos de impacto colocam-no no topo da liga em diferencial de on/off e boa parte da análise em redor dos Celtics resume-se a isto: com o português em campo, Boston parece uma equipa séria; sem ele, volta a parecer a tal equipa de lottery que muitos antecipavam.
De “suplente mediano” a titular inesperado
Durante quatro anos, a carreira de Neemias parecia seguir o guião previsível do second-round pick que tenta sobreviver na liga. Passagem discreta por Sacramento, contratos two-way, minutos irregulares, papel de quarto poste da rotação em Boston. No fim de 2024-25, os números eram simpáticos, mas não mudavam a percepção: 3.8 ressaltos por jogo, eficácia alta em poucos minutos, algum potencial defensivo. Nada que fizesse mexer a agulha da narrativa.
É por isso que o salto de 2025-26 não pode ser vendido como simples “progressão natural”. Quando um artigo de outubro posiciona Neemias e Luka Garza como a pior dupla de postes da NBA e, em novembro, o mesmo jogador lidera a liga em diferencial de pontos, isso representa uma ruptura e não mera continuidade.
Mat Issa, em artigo publicado no site da Forbes, usa precisamente esse argumento para reabilitar o conceito de Most Improved Player. Na leitura do analista, o prémio devia servir para distinguir quem tem uma evolução fora do normal, não apenas o jovem escolhido na lottery que recebe mais bola e melhora os números. Neemias encaixa na primeira categoria: até este ano “não passava de um suplente mediano” e, forçado a assumir a vaga deixada por Porziņģis e Horford, transformou-se num poste titular legítimo.
Para mim, este prémio devia ser reservado ao jogador que dá um salto inesperado, não a quem está simplesmente a seguir a sua curva natural de desenvolvimento. Neste momento, os três jogadores na FanDuel com maiores probabilidades de vencer o prémio são Jalen Duren (+170), Josh Giddey (+460) e Deni Avdija (+550). Todos eles estão a fazer grandes épocas, mas até que ponto é que isto é mesmo inesperado? Se analisarmos os números da segunda metade da época passada, este salto era, em certa medida, previsível. Se algum deles acabar por levar o prémio para casa, vou ficar muito contente por eles. O que me incomoda é o facto de o Neemias Queta (+20000) estar a ser visto como uma aposta altamente improvável.
O pacote estatístico do primeiro mês
Em cerca de 24 minutos de utilização por jogo, Neemias tem números que não envergonham nenhum titular da liga: 9.3 pontos, 7.9 ressaltos, 1.7 assistências, 1.4 desarmes de lançamento, com 62.8% de eficácia nos lançamentos de campo, e uma lista de afundanços que o colocam no top-10 da NBA em dunks.
Mas a relevância do português não está apenas no boxscore. Está também na forma como essas ações sustentam o modelo de equipa que Joe Mazzulla tentou salvar depois do desmantelamento do plantel.
Defensivamente, o impacto é brutal. Segundo os dados citados por Sean Grande, com Neemias em campo os adversários marcam 1.002 pontos por posse de bola, lançam 40.6% de campo e 33.6% de três pontos. Quando o internacional luso sai, esses números sobem para 1.205 pontos por posse, 47.4% de campo e 37.9% de três.
A fotografia repete-se em quase todos os modelos. De acordo com o site Cleaning the Glass, os Celtics estão mais de 26 pontos por 100 posses melhor com o português em campo do que sem ele, a melhor marca da liga entre jogadores com pelo menos 200 minutos. No site Dunks & Threes, Neemias aparece com um Defensive Estimated Plus-Minus de +2.8 pontos por 100 posses, no 99.º percentil da liga, e um EPM total de +3.5, no 94.º percentil. Nesse leaderboard defensivo, só Isaiah Hartenstein e Ajay Mitchell, dos campeões Oklahoma City Thunder, surgem à frente.
Depois há o ressalto, tema sensível em Boston desde o primeiro dia de treino.
“Find five guys that rebound”
Na pré-época, depois de um jogo em que os Celtics foram atropelados nas tabelas, Mazzulla respondeu duas ou três vezes da mesma forma quando lhe perguntaram como é que a equipa podia melhorar. “Find five guys that rebound.” Perder Porziņģis, Horford e Kornet significava não só perder centímetros, mas também rotinas de boxout, físico e experiência no contacto.
O arranque confirmou o pior cenário. Nos três primeiros jogos da época regular, todos derrotas, Boston foi batido por 31 ressaltos de diferença. A mensagem do treinador foi clara e, a partir daí, o trabalho começou.
“Vimos muito vídeo para perceber onde podíamos ser melhores”, explicou Neemias depois de um treino. “Muitas vezes o ressalto é esforço. Procurar contacto primeiro, garantir que o teu homem não fica com a bola, ir buscá-la com as duas mãos.” A frase seguinte é quase um manifesto: “Toda a gente olhou ao espelho e pensou em como se podia tornar melhor”.
Um mês depois, os Celtics subiram para o top-12 da liga em ressaltos totais e para o top-10 em ressaltos ofensivos. Neemias lidera a equipa na tabela, com quase oito por noite, e está nos patamares mais altos da NBA em percentagem de ressaltos ofensivos. Garza ajuda a inflacionar o número sempre que está em campo, mas é o português que consegue combinar essa presença no ataque com uma defesa que não desaba.
É aqui que a narrativa deixa de ser apenas “jogador que trabalha muito” e passa a ser “peça que altera a identidade da equipa”.
O salto nos detalhes: tomada de decisão no short roll e Most Improved
O artigo da Forbes insiste num ponto que costuma passar despercebido quando se fala em postes que fazem bloqueios e finalizam acima do nível do aro: a leitura em short roll. Numa equipa carregada de criadores de lançamento em drible como Jaylen Brown, Derrick White, Payton Pritchard ou Anfernee Simons, as defesas adversárias são obrigadas a enviar dois defensores para a bola no pick-and-roll. O espaço que se abre é o dos quatro contra três, com o poste a receber a bola na zona do lance livre e a ter de decidir em menos de um segundo.
Neemias não é Draymond Green, mas o crescimento é nítido. Tem uma percentagem de assistências em torno dos 10%, a melhor da carreira, acima de nomes estabelecidos no papel de rim runner como Jarrett Allen, Rudy Gobert ou Mitchell Robinson. Mais do que o passe em si, trata-se da capacidade de mapear o campo, fixar a ajuda e soltar a bola na altura certa. Pequenos detalhes que evitam perdas de bola, alimentam lançadores e mantêm o ataque dentro da estrutura em vez de cair em isolamentos estagnados.
É aqui que entra o argumento de Mat Issa sobre o Most Improved Player. Para medir a evolução de um ano para o outro, recorre à métrica DELTA do site The Analyst, que calcula a diferença no DRIP (um número único de impacto) desde o início da época até ao momento. O líder da liga nesse indicador é Neemias, com +2.2. Em termos simples, ninguém subiu tanto de patamar, em impacto global, como o gigante do Vale da Amoreira.
A contra-argumentação é previsível. Historicamente, o MIP tende a ir para quem sobe muitos pontos por jogo e ganha protagonismo ofensivo. Neemias “só” acrescentou pouco mais de quatro pontos à média de 2024-25. O papel continua a ser de poste finalizador, não de estrela com bola.
A pergunta que fica é se o prémio quer continuar a premiar usage e volume ou se está disponível para reconhecer um salto que transforma, de facto, uma equipa.
Os novos Celtics à luz do poste português
Ao fim de um mês, os Celtics estão numa espécie de equilíbrio instável. O registo de nove vitórias e oito derrotas coloca-os no 10.º lugar da conferência Este, mas o ataque surge no top-10 em eficiência, a defesa anda perto do top-10 e o net rating deixa a equipa na zona das formações competitivas. Nada disto era garantido depois de um verão em que saíram Jayson Tatum (lesão), Jrue Holiday, Porziņģis, Horford e Kornet, e em que o front office assumiu, na prática, um gap year competitivo enquanto gere folha salarial e repeater tax.
A forma como o ataque vive ainda colado ao triplo, com pouco volume no pintado, poucos pontos fáceis em transição e poucos lances livres, mostra bem que este não é um candidato ao título disfarçado. Mas o facto de a defesa estar muito acima do esperado para um frontcourt tão curto tem assinatura clara. A capacidade de trocar em quase todas as posições com Jordan Walsh e Josh Minott, mais a âncora de Queta atrás, produz um perfil de equipa que permite a Mazzulla continuar fiel ao seu modelo.
Sem o português, esse equilíbrio desmonta-se depressa. Garza oferece pontos e ressalto ofensivo, mas abre crateras na defesa. Chris Boucher e Xavier Tillman tapam alguns buracos defensivos, mas limitam o ataque e não resolvem o problema físico no ressalto. Minott e Walsh a 5 funcionam em certos contextos, como se viu no último jogo com os Orlando Magic, mas não são solução para uma maratona de 82 jogos com Jalen Duren, Jarrett Allen, Rudy Gobert ou Karl-Anthony Towns do outro lado.
É por isso que a entorse no tornozelo esquerdo, sofrida diante dos Magic, funciona quase como metáfora. Em poucos minutos ficou visível o que a análise estatística vinha dizendo há semanas: a margem de erro destes Celtics é mínima e depende em grande parte de um poste que, em outubro, nem sequer era considerado “titular aceitável”.
O reality check da lesão e o que vem a seguir
Quando Neemias saiu a coxear para o balneário, Boston estava a construir uma das exibições ofensivas mais eficientes da época. Sem o poste luso, Mazzulla mergulhou em small ball, experimentou Minott e Walsh como soluções de emergência a poste e viu a equipa marcar 138 pontos, mas também permitir 129 e sofrer 18 ressaltos ofensivos. A vitória contra uns Orlando Magic desfalcados disfarçou o risco. A sequência que se segue, com Detroit Pistons, Cleveland Cavaliers, Minnesota Timberwolves e New York Knicks, promete ser bem menos tolerante.
Se a ausência do português se prolongar, Boston vai enfrentar um reality check doloroso. Quase todos os adversários dessa série vivem do físico no frontcourt e têm postes com volume de utilização alto. Sem Neemias, os Celtics vão escolher entre sofrer no pintado ou sobrecarregar as ajudas e abrir a linha de três. Entre perder no ressalto ou carregar a rotação até ao limite.
Seja qual for a escolha, há uma certeza: o primeiro mês de competição mudou a forma como a liga olha para o número 88 dos Boston Celtics. Já não é o símbolo do “pior frontcourt da NBA”. É o jogador que, num ano em que Boston admitiu baixar a fasquia, obrigou toda a gente a rever o grau de pessimismo.
Mesmo que não receba o respeito que merece na conversa para Most Improved Player, Neemias Queta fez o suficiente para transformar um frontcourt que era motivo de chacota numa unidade minimamente respeitável. Se esta época não der prémios, dará pelo menos uma certeza: o poste que servia de prova da fraqueza de Boston passou a ser a razão principal para que ninguém os volte a subestimar.







Estes artigos e usando uma expressão do futebolês(peço desculpa 😅) são nível Champions League!
Esperemos que a lesão não trave este crescimento que bem falas e possa continuar a evoluir de jogo para jogo como tem feito esta temporada. Também concordo que o prémio de MIP deveria se enquadrar muito mais numa situação como o nosso Neemias do que aquilo que tem acontecido de entregarem a malta que já estava bem estabelecida na NBA e que melhorou os números.
Para terminar dizer apenas que me enche a alma ler estes artigos. Obrigado Ricardo pelo enorme trabalho que fazes! 💪