EuroLeague 2025-26: tradição à prova da expansão
Com vinte clubes, novos mercados no mapa e uma inflação salarial sem precedentes, a 26.ª temporada da prova promete ser um teste decisivo ao equilíbrio entre raízes locais e ambição local.
A 26.ª temporada da EuroLeague arranca esta terça-feira com uma narrativa que se alimenta tanto da bola ao ar como do que acontece fora do campo. A campanha oficial, apresentada sob o lema Born Not Built, reforça a ideia de autenticidade e de raízes locais: a competição não se inventou, cresceu a partir de cidades, pavilhões e comunidades de adeptos que a carregam há décadas.
Esse sublinhado não é acidental. A entrada de novos mercados, o peso de projetos como o Paris Basketball e o Dubai BC, e a forma como as grandes capitais continuam a concentrar investimento e talento mostram que a EuroLeague é também uma afirmação cultural. O equilíbrio entre tradição e expansão, entre orgulho local e ambição global, está no centro da época 2025-26.
Candidatos e outsiders
A corrida ao título apresenta um lote alargado de seis candidatos. O Panathinaikos mantém a espinha dorsal com Kendrick Nunn, Kostas Sloukas e Mathias Lessort, acrescentando TJ Shorts e Richaun Holmes para reforçar perímetro e jogo interior. O Olympiacos aposta na continuidade, com Sasha Vezenkov de volta, Evan Fournier já consolidado, Frank Ntilikina a reforçar a rotação de bases e Nikola Milutinov como referência no pintado. O Monaco construiu um frontcourt de luxo com Nikola Mirotić e Daniel Theis a juntarem-se a Mike James e Elie Okobo. O Real Madrid mantém Facundo Campazzo e Walter Tavares como núcleo, agora acompanhados por Théo Maledon, Chuma Okeke e Trey Lyles. O Anadolu Efes ancora-se no talento de Shane Larkin e na chegada de Georgios Papagiannis, com Jordan Loyd e Isaïa Cordinier a darem profundidade. E o campeão Fenerbahçe, de regresso ao trono europeu, apresenta Wade Baldwin IV e Scottie Wilbekin no backcourt, Nicolò Melli como peça estrutural e novidades como Talen Horton-Tucker, Brandon Boston Jr. e Mikael Jantunen.
Atrás deste lote surgem outsiders capazes de desafiar hierarquias. O Hapoel Tel Aviv reúne Vasilije Micić, Elijah Bryant, Johnathan Motley e Bruno Caboclo, formando um núcleo robusto ao qual se junta Chris Jones. O Partizan acrescentou Shake Milton, Jabari Parker e a jovem promessa Miika Muurinen a Tyrique Jones e Carlik Jones, ampliando a margem de talento. O Estrela Vermelha apostou em Devonte’ Graham, Chima Moneke e Jordan Nwora para complementar Nikola Kalinić, Cody Miller-McIntyre e Jasiel Rivero. O Olimpia Milano reconstruiu-se em torno de Marko Gudurić e Lorenzo Brown, com Devin Booker e Josh Nebo a comandarem a área pintada e Vlatko Čančar a oferecer versatilidade, enquanto o Barcelona acrescentou Tornike Shengelia e Will Clyburn a um núcleo que já contava com Kevin Punter, Nicolás Larovittola e Willy Hernangómez.
Da NBA para a EuroLeague: impacto imediato ou curva de aprendizagem?
A época volta a ser porta de entrada para jogadores vindos da NBA sem experiência na competição europeia, que procuram relançar carreiras num contexto distinto. Talento não falta; a questão é quem chega para ser figura central e quem esbarra na adaptação a um jogo mais físico e mais tático.
O Panathinaikos trouxe Richaun Holmes para dar mobilidade e experiência ao frontcourt. O Fenerbahçe investiu em dois wings com potencial de criação — Talen Horton-Tucker e Brandon Boston Jr. — à procura do espaço que não consolidaram do outro lado do Atlântico. O Real Madrid recrutou Trey Lyles e Chuma Okeke, forwards de percurso irregular que precisam de provar consistência num plantel habituado a ganhar.
No eixo balcânico, o Estrela Vermelha apostou em Devonte’ Graham, combo guard de tiro rápido, e o Partizan assegurou Shake Milton, capaz de alternar entre base e escolta. O Anadolu Efes acrescenta shooting puro com Cole Swider. No Maccabi, Lonnie Walker IV chega acompanhado por Oshae Brissett — forward de energia, útil nas duas tabelas — e por Jeff Dowtin Jr., base de pick-and-roll que pode dar controlo ao ataque. Em Paris, Lamar Stevens oferece físico e presença defensiva na asa.
A EuroLeague não permite ajustes prolongados. Leitura tática, dureza do contacto e gestão do clutch vão ditar quem converte estatuto em impacto imediato. Para alguns, pode ser um recomeço; para outros, apenas mais uma paragem.
Os bancos também contam
A época joga-se também nas linhas laterais. Em Madrid, o regresso de Sergio Scariolo reconfigura a narrativa: o treinador mais titulado do basquetebol espanhol volta ao Real com a missão de modernizar uma equipa que mantém estrelas veteranas, mas precisa de se reinventar. Em Milão, Ettore Messina enfrenta nova iteração e, depois do falhanço com Nikola Mirotić, chega Marko Gudurić para recolocar a Olimpia no mapa competitivo. Em Bolonha, Duško Ivanović prolonga uma carreira quase infinita e prova que ainda há espaço para a velha guarda num ambiente de renovação.
As novidades concentram-se em mercados emergentes. Francesco Tabellini estreia-se na EuroLeague com o Paris Basketball, encarnando a aposta em sangue novo para liderar um projeto que mistura marketing e ambição desportiva. No Dubai BC, Jurica Golemac dá o salto para um palco global com a pressão de justificar investimento e projeção. No Zalgiris, Tomas Masiulis herda uma das bancadas mais exigentes da Europa. E no ASVEL, Pierric Poupet tenta devolver identidade a uma equipa que perdeu referências e estabilidade.
Há também quem já provou e não pode falhar. Šarūnas Jasikevičius, campeão europeu pelo Fenerbahçe, terá de integrar rookies vindos da NBA sem perder a disciplina que é marca registada. Ergin Ataman, no Panathinaikos, ficou sem desculpas: com um plantel milionário, a fasquia mínima é voltar à Final Four. No Olympiacos, Giorgos Bartzokas conserva um núcleo sólido e reforços de peso, sabendo que em Pireu o sucesso só se mede em títulos. E Željko Obradović mantém estatuto de culto; agora, precisa de transformar o potencial do Partizan em vitórias consistentes.
Os 10 maiores salários (líquidos, EUR)
Vasilije Micić (Hapoel Tel Aviv) — €5.21 M ($5.6 M)
Kendrick Nunn (Panathinaikos) — €4.93 M ($5.3 M)
Sasha Vezenkov (Olympiacos) — €3.81 M ($4.1 M)
Shane Larkin (Anadolu Efes) — €3.49 M ($3.75 M)
Džanan Musa (Dubai BC) — €3.26 M ($3.5 M)
Evan Fournier (Olympiacos) — €2.98 M ($3.2 M)
Mathias Lessort (Panathinaikos) — €2.98 M ($3.2 M)
Kostas Sloukas (Panathinaikos) — €2.88 M ($3.1 M)
Mike James (Monaco) — €2.79 M ($3.0 M)
Walter Tavares (Real Madrid) — €2.51 M ($2.7 M)
Elijah Bryant (Hapoel Tel Aviv) — €2.51 M ($2.7 M)
Notas: pela primeira vez, nove dos dez maiores contratos superam os 3 milhões de dólares líquidos (≈ €2.79 M); a fiscalidade pesa — só um jogador de equipas espanholas entra na lista (Tavares), enquanto o Panathinaikos coloca três e o Hapoel dois; um contrato líquido de $2M deixou de ser exceção; no topo, guards dominantes e wings com criação própria concentram a elite salarial.
Perguntas que definem a época
A expansão resiste ao escrutínio?
Hapoel Tel Aviv e Dubai BC chegam com investimento forte e rosters que não escondem ambição. A questão, porém, vai além do talento acumulado: o valor de uma nova entrada mede-se pela capacidade de competir de imediato, de criar identidade junto da sua massa adepta e de acrescentar ao produto global da EuroLeague. Viagens mais longas, ajustamentos de horários e impacto televisivo fazem parte da equação. O Hapoel, vindo da conquista da EuroCup, parece mais preparado para ser outsider competitivo; o Dubai surge como vitrina global cujo sucesso dependerá de transformar marketing em consistência desportiva.
Os milhões mudam o equilíbrio competitivo?
Os salários recorde abriram uma nova geografia de poder e tornam inevitável a questão: o Financial Fair Play será aplicado ou ficará no papel? Se houver fiscalização efetiva, os clubes com scouting certeiro e formação sólida podem ganhar espaço. Se não, arrisca-se a cristalizar-se uma elite de cinco ou seis clubes com orçamentos que esmagam a concorrência. Sinais de mudança já se notam: titulares da “classe média” a migrarem para candidatos, segundas unidades mais robustas e cláusulas de buyout em alta. A pressão para equilibrar o tabuleiro nunca foi tão premente.
O pipeline NBA está mais jovem, mas será mais decisivo?
A classe de 2025-26 traz menos veteranos de renome e mais jogadores em busca de redenção ou espaço que não tiveram na NBA. Nomes como Talen Horton-Tucker, Brandon Boston Jr., Richaun Holmes, Devonte’ Graham, Shake Milton ou Trey Lyles representam upside no contexto europeu, mas também risco de dispersão. A questão é a adaptação ao jogo mais físico, mais tático e jogado em meio campo. Quantos conseguirão ser figuras centrais e quantos se tornarão apenas role players? O teste será imediato, sem margem para longos períodos de ajuste.
O campeão aguenta a metamorfose?
O Fenerbahçe de Šarūnas Jasikevičius perdeu peças estruturais como Nigel Hayes-Davis e Marko Gudurić, mas reforçou-se com talento on-ball (Horton-Tucker, Boston Jr.) e soluções de frontcourt. A dificuldade será integrar rookies vindos da NBA num modelo assente em disciplina, sem comprometer a identidade coletiva. Outro fator é a gestão física dos ballhandlers — Scottie Wilbekin e Wade Baldwin IV não podem passar por longas ausências sem que a estrutura trema. Se a defesa mantiver o nível de 2024-25 e a química aparecer rápido, o back-to-back é possível; caso contrário, pode ser apenas um ano de transição.
Novos mercados, velhas perguntas e pressão externa
A entrada de Hapoel Tel Aviv e Dubai BC reforça o mapa e o debate: dinheiro novo, ambição desportiva e exposição global, mas também um teste à autenticidade do produto. O Hapoel apresenta-se já como contender periférico; o Dubai BC surge como vitrina internacional. Ao mesmo tempo, a geopolítica impõe limites: não haverá jogos em Israel — o Hapoel jogará em Sofia e o Maccabi Tel Aviv em Belgrado —, perdendo-se o caldeirão local e ganhando-se incerteza competitiva.
Há ainda uma variável institucional: o CEO da EuroLeague, Paulius Motiejunas, não excluiu a possibilidade de suspensão de Maccabi e Hapoel, sublinhando que a liga “vai observar, monitorizar e reagir em conformidade”, e que decisões de outras entidades, como a UEFA, serão ponderadas. A prioridade declarada é a segurança de equipas, jogadores e adeptos.
E cresce a pressão estratégica vinda de fora. A NBA e a FIBA trabalham numa nova liga europeia com janela de arranque em 2027 ou 2028, segundo Adam Silver. Mesmo sem calendário fechado, a simples perspectiva de um player global a disputar o mesmo espaço acelera decisões sobre arenas, media rights e governança. Para a EuroLeague, 2025-26 é também um exame de robustez do seu modelo.