Carta para o Carlos Andrade de 17 anos

Carlos Andrade

Meu puto, em primeiro lugar quero dar-te os parabéns e dizer-te o quanto estou orgulhoso de ver onde estás hoje.

Olhar para trás, ver onde começaste e o caminho que percorreste, sem nunca te teres desviado da tua rota e mantendo sempre o foco no que mais te inspira e motiva, enche-me de vontade de partilhar a tua história. Não para que te glorifiquem, mas sim para que te usem como exemplo. Exemplo para quem tem poucas oportunidades, para aqueles em quem quase ninguém acredita. Exemplo para os que pensam ou acreditam que só existe um caminho e, por vezes, se perdem nele, sem nunca terem pensado que há sempre duas opções e que está sempre nas nossas mãos tomarmos a que é correta.

Ao leres esta carta, com apenas 17 anos, deves estar a questionar-te como saber se estás a tomar as decisões corretas e de que forma elas te vão afetar no futuro, certo? Pois deixa-me tentar pôr em palavras o que irás sentir em alguns momentos, momentos marcantes em que só tu terás o poder de decidir o rumo que queres seguir.

Ser jogador profissional de basquetebol vai ser a melhor decisão que vais tomar na tua vida. Essa decisão vai fazer-te perceber, mais tarde, que não existe outra profissão que te preenchesse tanto.

Mas lá chegaremos.

O sentimento de culpa que vais sentir ao sair do Maria Pia Sport Clube e ao deixar para trás um grupo de amigos, colegas de equipa a quem chamas família, depressa se irá transformar em responsabilidade e motivação. Cada gota de suor que escorrer durante e após um treino, e cada lágrima que cair quando não fores convocado ou quando perderes um jogo vão moldar-te e preparar-te para, mais tarde, usares isso como combustível.

Serás um exemplo para aqueles a quem é dito que, para serem profissionais, teriam de jogar em grandes clubes de formação e que, por estarem num clube pequeno, nunca seriam vistos. As oportunidades existem. Podem não surgir com a mesma abundância para todos, mas existem. Cedo vais perceber isso e estarás preparado para cada uma.

Ídolos

Numa altura em que, como tantos outros jovens, procuras alguém com quem te possas identificar, vai ser muito importante olhares para alguém e pensares que gostarias de ser como ele. Michael Jordan foi quem te fez apaixonar pelo basquetebol, ir para o pavilhão e tentar imitar todos os seus movimentos. Carlos Lisboa foi a primeira superestrela que viste atuar ao vivo e quem te fez acreditar que o teu sonho de ser jogador do Benfica podia concretizar-se.

Mas há uma outra estrela que, sem dúvida, te inspira a cada momento, não só a jogar, mas também a treinar e a viver a sua vida: a Betty. Sem saberes como, vais vê-la desenvolver-se como atleta e como pessoa, e vais ver até onde ela consegue chegar. O que mais te marcará será a sua entrega a este estilo de vida. É um estilo de vida que ninguém nos obriga a ter, mas que tanto nos consome e transforma. Por isso, tenta imitá-la em tudo. O que ela fizer, tenta fazer igual ou melhor. Por uma simples razão: para que a Betty se orgulhe de ti. Quando ela te disser pela primeira vez que está orgulhosa de ti, será como receberes o melhor prémio individual que alguma vez possas ganhar, melhor do que qualquer troféu de MVP.

Estudos

Não és um grande estudante, mas sabes a importância de ter uma boa escolaridade, curso superior ou até mesmo um mestrado ou doutoramento. A educação que recebes em casa, pela tua família, é o que te moldará no futuro, mas tem sempre consciência de que ter um diploma te abrirá mais portas. Quando fores para os Estados Unidos estudar, aproveita a oportunidade e desfruta ao máximo. Diverte-te. Faz maluquices que em Portugal nunca farias, com medo de ser apanhado pela tua avó, mãe ou tias. Apaixona-te e parte corações. No fundo, sente emoções fortes. Vive. Cresce.

Cresce com os erros que cometeres e nunca repitas os mesmos. Sacrifica-te para que a oportunidade de conseguires um curso superior não seja desperdiçada, porque – acredita! – esta é daquelas oportunidades que não voltam. Orgulha-te dos feitos que vais alcançar num país de enorme competitividade. Esses feitos são teus e só teus. E, um dia, vais cumprir uma promessa que fizeste à tua mãe e à tua avó: vais acabar o teu curso e vais ligar-lhes a chorar, a agradecer-lhes por tudo o que fizeram para que pudesses alcançá-lo. E elas terão um enorme orgulho em ti.

Sonhos

Sentado num cacifo num dos balneários dos Atlanta Hawks, vais perceber que já estás a viver o teu sonho. Estarás prestes a fazer mais um try-out com uma equipa da NBA, a um passo de ser escolhido no draft. Vai com tudo e não deixes que os nervos levem a melhor sobre ti, como em Boston e Philadelphia. “No regrets”! Lembra-te disto antes de entrares no campo. Na noite do draft vais perceber que fizeste tudo o que estava ao teu alcance.

Chegará a hora de te dedicares a 100% a esta profissão. A partir daí, tudo o que faças – ou não faças – terá consequências no teu desempenho. Depois de tanto sucesso, pessoal e coletivo, voltar ao princípio pode parecer um retrocesso, mas vais perceber que no desporto tudo é cíclico. Em todas as épocas vai parecer que estás a começar do zero. Não encares isso como negativo, mas sim como uma oportunidade de refazeres uma versão de ti mesmo, mais forte, mais experiente.

Os primeiros meses como profissional vão ser confusos, até ao momento em que te aperceberás que a essência do desporto está em VENCER. E, quando digo vencer, não é a todo o custo. Podes ser um VENCEDOR sem ganhar um único jogo.

És um VENCEDOR quando as coisas não correm bem e não desistes, quando lutas e te sacrificas até alcançares o teu objetivo.

És um VENCEDOR quando és o MVP de um jogo, de um torneio, de uma final, e te manténs humilde, continuando a trabalhar com a certeza de que podes sempre fazer melhor.

És um VENCEDOR quando acordas todos os dias com o objetivo de seres uma melhor versão de ti mesmo e de quereres o mesmo para os que te rodeiam.

Muita gente te perguntará se, com uma carreira tão longa e algumas conquistas, há algum momento que se destaque. É uma boa questão, mas nem aos 39 anos saberás responder. Ainda estarás a desfrutar da caminhada. Valerá a pena cada passo e cada tropeço, porque cada vez que te levantas, levantas-te mais forte.

Despeço-me sem saber quando te voltarei a escrever. Estou convicto de que será para te dizer que chegou a hora de virar a página, expressar as emoções desse momento e falar das expectativas do que o futuro trará.

Até lá, be you.

por Carlos Andrade