Área Restritiva — 12 conversas que contam a história do basquetebol português
Em tempo de pandemia, quando a distância se mede em dias sem pavilhão, nada melhor do que regressar às memórias que nos fizeram apaixonar pelo jogo. É esse o propósito da “Área Restritiva”: uma série de entrevistas às maiores figuras da história do basquetebol português.
Um espaço para ouvir histórias de quem fez o nosso basquete crescer, para revisitar conquistas, derrotas, aprendizagens e cumplicidades que o tempo não apaga.
Porque o jogo continua vivo nas recordações de quem o construiu.
Zé Costa
Base de enorme longevidade e inteligência de jogo, José Alberto Pais Costa, mais conhecido por Zé Costa, foi durante décadas um dos nomes mais consistentes do basquetebol português. Símbolo do Casino Ginásio, somou 167 internacionalizações e construiu uma carreira marcada pela dedicação, pela leitura de jogo e por uma paixão contagiante.
Reconhecido como um “general em campo”, o seu estilo assentava na organização, na visão e na capacidade de liderar equipas, mas também na defesa intensa e nas pequenas coisas que não aparecem nas estatísticas. Para muitos companheiros e treinadores, era um jogador que fazia os outros melhores.
Com 46 anos, ainda se manteve competitivo, sempre com rotinas de treino rigorosas e uma alegria juvenil que fazia dele exemplo para colegas mais novos. Entre memórias de balneário, rivalidades históricas e histórias de trash talk, Zé Costa nunca perdeu de vista o essencial: o jogo é dos jogadores, e a paixão pelo basquetebol é aquilo que o mantém vivo.
Na “Área Restritiva”, partilha as suas memórias de formação no Ginásio, os títulos, os duelos com rivais diretos, os conselhos para os jovens shooters e o sonho adiado de dividir campo com o filho. Um testemunho de entrega, perseverança e amor pelo jogo.
Ticha Penicheiro
É impossível contar a história do basquetebol português sem passar pelo nome de Ticha Penicheiro. A base da Figueira da Foz, que começou no Ginásio e passou por Rio Maior antes de se tornar lenda na Old Dominion University, foi a 2.ª escolha do Draft da WNBA em 1998 e acabou campeã com as Sacramento Monarchs, conquistando o respeito eterno da liga.
Ao longo de 15 anos nos Estados Unidos, liderou a WNBA em assistências durante sete épocas e tornou-se a segunda melhor de sempre a servir colegas para o cesto — fiel à sua identidade de pass-first point guard, sempre mais preocupada em fazer a equipa brilhar do que em brilhar sozinha.
Com humor, memórias únicas e uma visão clara sobre a evolução do jogo, Ticha fala das origens no minibasquete, da cultura de balneário, dos episódios caricatos nos tempos de Old Dominion (incluindo o célebre toilet paper incident), da sua relação desapegada com a ideia de “voltar a jogar” e do impacto das redes sociais na nova geração.
Para muitos, continua a ser a melhor jogadora portuguesa de sempre, mas Ticha recusa coroas: prefere celebrar Sue Bird como a base perfeita, Diana Taurasi como a sua GOAT, e compor um five de sonho com Chelsea Gray, Tina Thompson e Lauren Jackson. Ainda assim, a sua própria mensagem à “menina Ticha” resume porque continua a ser um ícone global: “vais conseguir mais do que sonhaste — trabalha e mantém a tua integridade”.
Philippe da Silva
De miúdo que sonhava ser piloto a base internacional português com quase uma centena de jogos pela Seleção, Philippe da Silva construiu uma carreira feita de viagens, aprendizagens e conquistas. Cresceu entre Portugal, França e Espanha, brilhou no CAB Madeira e na Oliveirense, foi MVP em Portugal e na Pro B francesa, e esteve presente em dois EuroBaskets (2007 e 2011), sempre com orgulho competitivo e uma personalidade intensa.
Na conversa, Philippe recorda episódios caricatos — como a final em Sevilha jogada a 50 °C ou o célebre striptease do Jorge Coelho no autocarro — e destaca as suas grandes referências técnicas: Mário Palma e Valentyn Melnychuk. Fala também da transição precoce para treinador, que o levou em poucos anos da 4.ª divisão até ao Nanterre, clube com que já disputou a Champions League e onde continua como treinador-adjunto.
A entrevista mostra o lado tático e filosófico do jogo: Philippe explica como vê a evolução do basquetebol europeu, o papel da formação em França (com centros regionais e nacional altamente estruturados) e, sobretudo, a paixão por ensinar, agora também ao filho Anthony, que acompanha diariamente no desenvolvimento técnico, tático e mental.
Com raízes firmes em Portugal e orgulho na canja da avó, Philippe da Silva resume o percurso numa frase que é também um conselho a qualquer jovem: “quando se ama, não se conta”.
Mary Andrade
De Luanda para Lisboa, de Lisboa para os Estados Unidos e, depois, para o mundo. Mary Andrade foi pioneira e abriu caminhos que ainda hoje inspiram gerações. Brilhou na universidade de Old Dominion, foi escolhida no draft da WNBA em 1999 e integrou a equipa das Cleveland Rockers, tornando-se uma das primeiras portuguesas a jogar na liga norte-americana.
Com uma carreira recheada de títulos e experiências em Espanha e Itália, Mary ganhou muito mais do que medalhas: ganhou a reputação de jogadora intensa, líder silenciosa e guerreira incansável. Ao longo da entrevista, fala da adaptação ao basquetebol universitário norte-americano, da experiência na WNBA, da vida de emigrante do jogo e da importância de nunca perder o orgulho das raízes.
Mary recorda ainda os momentos de ouro com a Seleção Nacional, a forma como a competição a moldou e como os desafios fora de campo a ajudaram a crescer enquanto mulher e profissional. Hoje, continua ligada ao basquetebol, transmitindo às novas gerações a mesma resiliência que sempre a definiu dentro de campo.
Na “Área Restritiva”, Mary Andrade revela a sua história de superação, disciplina e amor pelo jogo — um testemunho que mostra porque continua a ser uma referência maior do basquetebol português e internacional.
Nuno Marçal
Símbolo de longevidade e de entrega total ao jogo, Nuno Marçal foi, durante décadas, um dos rostos mais reconhecidos do basquetebol português. Natural do Porto, começou a jogar ainda em miúdo e rapidamente se afirmou como um talento raro, pela estatura, pela capacidade de lançamento e pela inteligência dentro de campo.
A carreira levou-o a vestir as camisolas do FC Porto, do CAB Madeira, do Maia Basket, do Lusitânia e também de clubes espanhóis, mas foi sobretudo no FC Porto que deixou uma marca indelével, conquistando campeonatos, taças e supertaças, e tornando-se capitão e referência para várias gerações de jogadores.
Internacional português em mais de meia centena de ocasiões, Marçal representou a seleção nacional em fases decisivas, sempre com a mesma dedicação. Mesmo quando as lesões teimaram em marcar presença — incluindo uma grave ao joelho que podia ter abreviado a carreira — respondeu com resiliência, regressando mais forte e prolongando a ligação ao jogo até muito depois da idade “normal” de despedida.
Na “Área Restritiva”, Nuno Marçal fala da paixão que o levou a jogar até perto dos 40 anos, das rotinas e sacrifícios de quem não queria deixar de competir, das memórias mais fortes em Portugal e no estrangeiro, e daquilo que aprendeu em quatro décadas a viver o basquetebol de corpo inteiro. É a história de uma carreira de resistência e amor pelo jogo — contada por um verdadeiro emblema do nosso basquete.
Sérgio Ramos
Durante duas décadas, o nome Sérgio Ramos foi sinónimo de basquetebol português ao mais alto nível. Natural de Lisboa, cresceu no Queluz antes de se afirmar no Benfica e na Seleção Nacional, deixando uma marca profunda tanto pela qualidade técnica como pela longevidade em campo.
Extremo versátil, dono de um lançamento certeiro e de uma leitura de jogo acima da média, Ramos conquistou títulos, jogou em palcos europeus e vestiu a camisola das quinas em mais de uma centena de ocasiões. Foi capitão, referência e exemplo para gerações que o viram como ídolo, num tempo em que o basquetebol nacional lutava por visibilidade e estabilidade.
Na “Área Restritiva”, Sérgio Ramos fala de tudo: das primeiras memórias com a bola laranja ao papel decisivo que o basquetebol teve na sua formação como pessoa, passando por histórias de balneário, conquistas, derrotas duras e a responsabilidade de carregar a braçadeira da Seleção. Reflete ainda sobre a evolução da modalidade em Portugal e sobre o que falta para consolidar um caminho de futuro.
Com a calma e a clareza de quem olha para trás sem arrependimentos, Sérgio Ramos mostra-se como sempre foi dentro de campo: seguro, determinado e apaixonado pelo jogo. Uma entrevista que é, ao mesmo tempo, viagem pela sua carreira e testemunho de uma geração que acreditou no basquetebol português.
Sónia Reis
No basquetebol português houve sempre postes dominantes, mas poucas marcaram uma era como Sónia Reis. Natural de Barcelos, construiu uma carreira longa, sólida e cheia de títulos, sobretudo ao serviço do Académico do Porto, onde se tornou símbolo de trabalho e consistência.
Com mais de uma centena de internacionalizações, Sónia foi presença habitual nas Seleções Nacionais, atravessando várias gerações de companheiras e treinadores. Em campo, era sinónimo de presença física, luta nas tabelas e inteligência tática; fora dele, ficou conhecida pelo espírito de sacrifício e pela forma como conciliou o basquetebol de alto nível com a vida académica e profissional.
Na entrevista à “Área Restritiva”, Sónia fala da paixão que a levou a nunca desistir, da importância das amizades criadas no jogo e das lições que o basquetebol lhe deu para a vida. Recorda ainda os momentos mais marcantes da carreira, desde os títulos conquistados a nível de clubes até às batalhas travadas de quinas ao peito.
Com a serenidade de quem viveu tudo intensamente, Sónia Reis oferece-nos um retrato autêntico de resiliência, dedicação e amor pelo basquetebol — valores que continuam a inspirar quem a viu jogar e quem hoje entra num pavilhão pela primeira vez.
Sofia Ramalho
Base de enorme talento e uma das jogadoras mais influentes do basquetebol feminino português nas últimas décadas, Sofia Ramalho construiu uma carreira feita de inteligência, visão de jogo e uma liderança natural que a tornaram indispensável em todos os contextos em que jogou.
Formada nas competições nacionais, cedo ganhou espaço nas principais equipas portuguesas, acumulando títulos e distinções individuais. Na seleção, foi presença regular ao longo de vários anos, afirmando-se como referência para uma geração inteira de jovens atletas que viam nela o exemplo de consistência, entrega e qualidade técnica.
Ao longo da carreira, Ramalho destacou-se também pelo carisma e pela capacidade de gerir momentos de pressão, fazendo sempre sobressair a equipa sobre o individual. Dentro e fora do campo, deixou uma marca de respeito, compromisso e dedicação absoluta à modalidade.
Na “Área Restritiva”, Sofia Ramalho fala sobre as origens e os primeiros passos no basquetebol, revisita os títulos e memórias mais marcantes, partilha histórias da seleção nacional e reflete sobre o legado que deixa às novas gerações. Uma conversa com uma das grandes bases da nossa história — que ajuda a compreender porque continua a ser uma referência incontornável no basquete português.
Jorge Araújo
Figura maior do basquetebol português, Jorge Araújo foi mais do que um treinador de topo: foi pedagogo, formador e uma voz que ajudou a moldar a forma como o jogo é pensado e praticado em Portugal. Com uma carreira marcada por passagens nos principais clubes nacionais e também pela seleção, destacou-se pela capacidade de liderar grupos, pelo rigor metodológico e por uma visão que esteve sempre à frente do seu tempo.
Professor de formação, sempre encarou o basquetebol como escola de vida. O treino era, para si, mais do que repetição de movimentos: era construção de identidade, de disciplina e de mentalidade vencedora. Essa marca estendeu-se às dezenas de atletas que treinou, muitos dos quais viriam a ser nomes incontornáveis da modalidade.
Ao longo das décadas, Jorge Araújo acumulou títulos e distinções, mas sobretudo acumulou respeito — dentro e fora do campo. A sua voz crítica, firme e lúcida foi presença assídua no debate sobre o rumo do desporto em Portugal, lembrando sempre a importância do trabalho de base e da valorização do talento nacional.
Na “Área Restritiva”, Jorge Araújo revisita a sua trajetória como treinador e educador, partilha memórias dos bastidores e deixa reflexões sobre o presente e o futuro do basquetebol português. Uma conversa com um dos maiores pensadores do jogo entre nós — e uma das suas figuras mais respeitadas.
Fátima Freitas Silva
Do Funchal para todo o país, Fátima Freitas Silva construiu uma carreira que se confunde com a própria história do basquetebol feminino português. Cresceu no Clube Desportivo Nacional, afirmou-se no CAB Madeira e somou títulos nacionais — três Campeonatos, duas Taças de Portugal e duas Supertaças —, sempre com a mesma marca distintiva: entrega total, seriedade e amor pelo jogo.
Mais de uma centena de internacionalizações e sete presenças em All-Star Games consolidam o estatuto de referência de Fátima, que partilhou campo com nomes de uma geração de ouro do nosso basquetebol. A sua dimensão, porém, vai muito além da jogadora: desde cedo conciliou a carreira de atleta com a paixão de treinar, e já como técnica conquistou títulos de formação e um inédito campeonato para a Associação de Basquetebol da Madeira na Festa do Basquetebol Juvenil.
Na “Área Restritiva”, Fátima revisita as memórias de infância, a experiência singular de ser treinada pelos irmãos João e Paulo, as conquistas em clubes madeirenses e o orgulho de ter ficado na sua ilha mesmo quando recebeu convites para jogar no estrangeiro. Partilha ainda a visão sobre o que é formar jogadoras e liderar equipas jovens com a noção de que o resultado é apenas parte de um processo maior.
É a história de uma vida inteira dedicada ao basquetebol, entrelaçada com a Madeira e com a Seleção Nacional, contada por quem continua, dentro e fora de campo, a ser chamada simplesmente de Fátima — um nome que já é sinónimo de basquete.
Vera Jardim
O primeiro contacto com a bola foi no Colégio Valsassina, mas rapidamente se percebeu que Vera Jardim estava destinada a ir muito mais longe. No CIF, conquistou os primeiros títulos e viveu os encantos do basquetebol federado. Pouco depois, abriu um caminho inédito: tornou-se a primeira portuguesa a aventurar-se no basquete universitário dos Estados Unidos, numa decisão pioneira que ajudou a mostrar a toda uma geração que havia um mundo para descobrir além-fronteiras.
De regresso a Portugal, Vera somou conquistas em clubes históricos como a União de Santarém, Olivais, CAB Madeira ou Barreirense. Foi três vezes All-Star, deixou marcas em várias Taças e Supertaças e construiu uma carreira feita de títulos, viagens e experiências de norte a sul do país — e também fora dele.
Mas é na Seleção Nacional que o seu legado atinge a dimensão mais clara: 114 internacionalizações, 86 delas pela equipa sénior, fazem dela a terceira atleta mais internacional de sempre. Ao lado de nomes como Isabel Ribeiro ou Susana Soares, ajudou a escrever páginas de referência do nosso basquetebol.
Na “Área Restritiva”, Vera fala da ousadia de atravessar o Atlântico quando não havia referências anteriores, das dificuldades e aprendizagens nos Estados Unidos, da alegria de representar o país e do privilégio de partilhar campo com algumas das maiores figuras da modalidade. E recorda também a experiência como treinadora, onde transmitiu às gerações mais jovens não apenas técnica e tática, mas a vivência de quem soube arriscar, vencer e marcar uma época.
É a história de uma pioneira que nunca perdeu a paixão pelo jogo — e que continua a inspirar pelo exemplo.
Carlos Lisboa
Nome maior do basquetebol português, Carlos Lisboa construiu um legado que atravessa gerações. Nascido em Cabo Verde, cresceu em Moçambique, começou no Sporting de Lourenço Marques e, ainda adolescente, chegou a Portugal para iniciar uma carreira que mudaria para sempre a forma como se olha para o jogo no nosso país.
Ao longo de duas décadas como jogador, representou Sporting, Luz e Benfica, conquistando 33 troféus, entre os quais 14 campeonatos nacionais. Ficou para sempre associado à mística do Benfica dos anos 80 e 90, uma equipa que dominava internamente e se afirmava também na Europa, com pavilhões cheios e jogos históricos. Os triplos certeiros e a aura competitiva de Lisboa tornaram-se marca registada, ao ponto de o clube imortalizar a sua camisola nº 7 no topo do pavilhão da Luz, em 1996.
A carreira internacional não lhe ficou atrás: somou 103 internacionalizações e fez parte da seleção que colocou Portugal no mapa europeu, enfrentando algumas das maiores potências mundiais. Em campo, foi descrito como um jogador mentalmente à frente do seu tempo, incapaz de aceitar a derrota e obcecado pela vitória.
Quando pendurou as sapatilhas, não largou o jogo: passou para a prancheta e colecionou mais de 20 troféus como treinador, liderando o Benfica em várias gerações e continuando a ser uma figura central na cultura do basquetebol português.
Na “Área Restritiva”, Carlos Lisboa recorda o miúdo que dormia com uma bola debaixo da cama, a mentalidade feroz que o levou a vencer, os momentos de glória em Lisboa e na Europa, as histórias de balneário, o peso da camisola da seleção e a forma como encara hoje a transição para treinador e o desafio de orientar até o próprio filho. É um retrato íntimo e apaixonado de quem viveu o basquetebol como poucos — e deixou uma marca impossível de apagar.