Assim que a transmissão acabava, agarrava na borracha laranja e seguia em direção a um playground muito conhecido, que ficava mesmo nas traseiras de casa. Era aí que essa miúda simulava os ídolos da televisão: Michael Jordan e Magic Johnson. Muitas vezes, era a única rapariga no meio dos rapazes.
Vou contar-vos uma história sobre uma miúda da Figueira da Foz. Uma história dos anos 80, numa altura em que só havia dois canais de televisão e não existiam internet, smartphones e consolas. Nascida numa terra de mar, essa miúda sempre gostou de praia, de sol, de estar fora de casa e – claro – de entrar pelo mar adentro e nadar! Mas a grande paixão dessa miúda era outra.
Essa miúda começou a lançar as primeiras bolas ao cesto com cinco ou seis anos. O pai, João, tinha sido jogador de basquetebol. O irmão, Paulo, era jogador de basquetebol. Respirava-se basquetebol dentro de casa. Essa miúda aperfeiçoou o 1x1 a jogar com o irmão, lançando uma bola de ténis para a sanefa dos cortinados. Com tanta jogatana dentro de casa, partiu muitas coisas. A primeira vez que gastou do seu próprio dinheiro foi para comprar ‘super-cola’, tentando colar todos os bibelôs de loiça que a mãe, Helena, tinha espalhados pela casa. Ficaram mal colados. A mãe percebeu.
Essa miúda tinha encontro marcado com o sofá da sala nas tardes de domingo. Era a altura de assistir ao único jogo semanal da NBA, transmitido na RTP2, comentado por Carlos Barroca e João Coutinho. E assim que a transmissão acabava, agarrava na borracha laranja e seguia em direção ao playground das traseiras. Era aí que imitava os ídolos da televisão: Michael Jordan e Magic Johnson.
Muitas vezes, era a única rapariga no meio dos rapazes. Como um pequeno peixe no meio dos tubarões.
De início, era sempre a última a ser escolhida e, se faltava um jogador para completar o 5x5, lá tinha a sorte de jogar. Mas, com o passar do tempo, os rapazes foram percebendo que aquela miúda até dava uns toques.
Aos 16 anos começou a desenhar o american dream. Perguntava-se se teria nível suficiente para rumar aos EUA e jogar numa universidade. Perguntava-se se conseguiria competir no país onde o basquetebol nasceu, onde estavam os melhores jogadores, os melhores treinadores e a melhor competição. A oportunidade surgiu e, em 1994, fez as malas e foi atrás do sonho. Na bagagem levava dúvidas, insegurança e medo… mas também esperança e vontade de vencer!
O apoio da família foi essencial e essa revelou-se a melhor decisão da sua vida.
Com o convite para uma bolsa de estudos completa, ingressou na universidade de Old Dominion, em Norfolk, na Virgínia. O objetivo era tirar o curso, crescer como mulher e desenvolver-se como jogadora, mas a WNBA nasceu em 1997 e, aí, o sonho tornou-se maior. Acabou por jogar quinze anos na WNBA e também por toda a Europa: Portugal, Itália, Rússia, Letónia, República Checa e Turquia. Ganhou títulos impensáveis, mas o mais incrível foram as amizades que criou por todo o mundo.
É essa miúda que vos escreve.
O basquetebol proporcionou-me coisas que nunca pensei viver. Visitar países que nunca pensei visitar. Conhecer pessoas que nunca pensei conhecer, incluindo Michael Jordan e Magic Johnson, que tantas vezes imitei naquele playground das traseiras da minha casa. Criei memórias que jamais esquecerei.
Sou a prova de que vale a pena sonhar alto e trabalhar para que esses sonhos se realizem. Sou a prova de que vale a pena arriscar, dar passos no escuro e nunca nos arrependermos de dar tudo o que temos… mesmo que sejamos apenas um pequeno peixe no meio dos tubarões!
por Ticha Penicheiro