Sabes aquela história de que o desporto “salva” o futuro de um miúdo que poderia ter acabado em maus lençóis? A minha não começou de forma tão dramática, mas a verdade é que a minha aproximação ao basquetebol mudou completamente o rumo da minha vida.
Eu era o típico miúdo do bairro que fazia a cabeça em água aos pais. Irrequieto, nada era suficientemente interessante para me prender a atenção. Qualquer coisa servia para me distrair. A curiosidade e o espírito aventureiro renderam-me sustos, repreensões e castigos. Experimentei vários desportos: andebol, atletismo, kung-fu e até futebol – o preferido de todos os miúdos da escola. Nenhum me cativou o suficiente para continuar.
Aos 13 anos, a minha mãe mudou-me para a escola da freguesia vizinha. Os novos colegas, que jogavam basquetebol no Seixal, lançaram-me o desafio: “Epá, tu és alto, devias vir experimentar jogar basket…” Até então nunca tinha assistido a um jogo da modalidade; o pouco que sabia vinha das aulas de Educação Física. A minha curiosidade e espírito aventureiro levaram-me a aparecer, um dia, no pavilhão.
Os primeiros treinos foram duros. Os meus companheiros já praticavam há algum tempo e tentar acompanhá-los, sem qualquer preparação, custou bastante. Aprender a fazer o lançamento na passada, coordenar mão direita do lado direito e mão esquerda do lado esquerdo, dominar a própria mecânica do lançamento…
Mas houve ali qualquer coisa que despertou em mim. Não sei se foi o desafio de ser um desporto totalmente novo, a influência dos amigos da escola ou o meu lado competitivo. O certo é que, um mês depois, a minha mãe já me chamava “fanático do basket” – ninguém me encontrava noutro sítio que não fosse o pavilhão.
Depois das aulas já não saía com os amigos para fazer asneiras. Chegava a casa, lanchava e saía para o treino. A sessão da minha equipa começava às 19h, mas às 17h já estava sentado nas bancadas a ver a equipa sénior. Observava os movimentos e, quando saíam, pegava na bola e tentava imitá-los.
Joguei os primeiros anos no Seixal. Após o primeiro ano surgiu o convite para integrar o Centro Nacional de Treino (CNT), no Porto. Passava a semana lá e só regressava a casa ao fim de semana para os jogos. Foi nessa fase que aprendi o verdadeiro significado de espírito de sacrifício: saudades da família e amigos, compensadas pelas novas amizades e pela evolução como jogador.
Depois veio o Centro de Alto Rendimento (CAR), no Jamor, até que, aos 17 anos, aceitei o convite para jogar no Pamesa Valência, em Espanha – o meu primeiro contrato profissional e a concretização de um objetivo.
Hoje, olhando para trás, parece que o tempo entre o primeiro treino e o primeiro contrato passou num ápice. Os compromissos com centros de treino, clubes, seleções, viagens e aulas desviaram-me a atenção do que acontecia no meu bairro.
A experiência em Espanha, novamente afastado de todos, a viver num país novo e com uma cultura diferente, fez-me crescer ainda mais. As adversidades eram compensadas pela evolução técnica e tática, pela oportunidade de treinar com uma equipa da ACB e até jogar alguns minutos.
Há alguns anos regressei a Portugal e, desde então, continuo a viver este sonho de ser jogador profissional – algo que estava longe das minhas expectativas iniciais. É bom quando fazes o que gostas e tens o apoio total da família. Hoje o desporto permite-me criar novas amizades, valorizar as mais antigas, investir na minha evolução pessoal e profissional, melhorar a cada jogo, lutar por títulos, representar a Seleção Nacional e viajar pelo mundo.
E há curiosidades no meu percurso: o padrinho da minha equipa de cadetes, Shawn Jackson, era jogador sénior no Seixal e anos mais tarde foi meu companheiro de equipa no CAB Madeira; o meu grande amigo Jorge Coelho, antes de eu sequer me interessar pelo basquetebol, esteve na minha escola numa ação de divulgação da modalidade como jogador profissional; quando era miúdo, ia ver os jogos do Queluz e sonhava um dia jogar ao lado de Carlos Andrade e de outros ídolos da época – sonho que acabei por concretizar, partilhando balneário em clubes e na Seleção Nacional.
O basquetebol mostrou-me que, às vezes, encontramos pessoas que nos marcam sem se aperceberem, e que qualquer pequena decisão pode ter um grande impacto na nossa vida. A ideia da minha mãe de me mudar de escola, para tentar controlar as asneiras que eu fazia, já era boa à partida. Mas nem ela nem eu poderíamos imaginar o quão boa viria a ser. Sem essa mudança, o meu percurso teria sido outro e eu não estaria aqui a contar-vos esta história.
por Fábio Lima