Era uma vez uma rapariga de 11 anos que vivia num país chamado Moçambique, mais precisamente em Lourenço Marques, onde o clima proporcionava uma vida passada ao ar livre, cheia de brincadeiras com amigos. Saía todos os dias pelas 6h30 da manhã (as aulas começavam às 7h15) para a escola, a pé, num percurso que demoraria uns quinze minutos. Ela demorava trinta, porque levava consigo a sua “melhor amiga”: a bola de basquetebol. Tudo servia para treinar o drible, o passe e o lançamento.
No caminho para a escola, todas as paredes ou muros eram colegas de equipa a quem passava a bola, para – claro! – a devolver logo de seguida. Era a protagonista do jogo. Driblava ao longo do passeio, inventando adversários que tinha de fintar, usando a mão direita e a esquerda, mudando a bola por baixo das pernas, por trás das costas ou simplesmente com uma finta de corpo.
Todas as árvores e ramos faziam lembrar cestos. A pontaria ditava a vitória quando acertava e a derrota quando falhava. Mas nunca esmorecia, porque havia sempre mais um “cesto” até chegar à escola.
Na sala de aula, a bola ficava guardada debaixo da carteira, mesmo junto aos pés. Assim que tocava para o intervalo, saía a correr para o campo. O tempo era curto, mas suficiente para acabar o jogo de 1x1 com a Tecas, que tinha ficado empatado no recreio anterior.
De vez em quando, a minha mãe era chamada à escola para falar com a diretora de turma. A queixa era sempre a mesma: eu era muito infantil, não brincava como as outras meninas e só queria jogar à bola. Até aqui, tive sorte. A vida deu-me os melhores pais do mundo, porque diziam: “Preferimos que nos chamem para dizer que gostas de jogar basquete, do que para dizer que és indisciplinada ou má aluna.”
Num torneio inter-escolas (sim, em Moçambique, nos anos 70 já havia torneios de desporto escolar), um treinador da Académica reparou em mim e falou com os meus pais. Foi assim que ingressei no basquetebol de competição.
Quero aqui deixar o meu testemunho e homenagear duas pessoas que, sem dúvida, me incentivaram e transmitiram aquilo que considero mais importante: não apenas o gosto, mas a paixão pelo jogo. Foram a minha professora de Educação Física, Regina Peyroteu – jogadora internacional portuguesa e homenageada na última Gala do Basquetebol – e o meu treinador entre os 12 e os 17 anos, Diogo Amoroso Lopes.
A partir daí, a minha vida passou a ser dividida entre a escola, os treinos na Académica e os campos de basquetebol que havia espalhados pelas casas do meu bairro, incluindo a minha.
Passava horas a treinar aquela finta especial para enganar a adversária que normalmente me defendia. Fazia dezenas, talvez centenas de lançamentos por dia, porque não podia falhar no jogo dessa semana como tinha falhado no anterior. Convencia as minhas irmãs a fazerem de adversárias – o que nem sempre era fácil. Para as persuadir, prometia que ganhavam. Para mim, isso não era o importante. O que queria era recriar jogadas e inventar alternativas para vencer no fim de semana. Precisava delas.
Foram anos que passaram depressa, mas que deixaram uma marca profunda. Essa marca acompanhou-me como jogadora e prolongou-se pela vida fora: como professora, treinadora, mãe e mulher.
A minha vida está cheia de basquetebol. Obrigada.
por Isabel Ribeiro dos Santos